Crónicas

O gosto de voltar uma e outra vez

O senhor que me dá boleia do porto fala da praia, da pedra que o mar trouxe e, antes de me deixar, no Largo das Palmeiras promete-me que, mais uns meses, e a areia estará de regresso

O barco entra no porto, devagar, lá fora avista-se a silhueta da ilha e esqueço o enjoo, os balanços do mar na travessa ou de como ainda há instantes tive vontade de fugir na aflição de ter a cabeça à roda. O Porto Santo apresenta-se numa manhã límpida, sopra um vento frio e eu penso como são poucos os lugares onde me sinto em casa como aqui, não sei se será desta atmosfera de sítio perdido no tempo, da calma ou do chilreio dos pássaros nas palmeiras. Gosto de voltar e gosto de voltar desde os meus 11 anos, depois daquele primeiro passeio no Pirata Azul com a minha tia Conceição e os amigos lá do Hotel Girassol.

Corre por aqui uma aragem de ilha encantada, um exotismo africano e não resisto a uma fotografia com as palmeiras debaixo de um céu muito azul. E vou à areia, ver o mar e as ondas, quero também um retrato meu com a linha do horizonte ao fundo, quero o momento e o dia, que daqui a pouco são seis horas e esgota-se o tempo, mas mentiria se dissesse que é por apenas pela paisagem, pela luz do sol no casario branco, pela calma dos meses de Inverno ou pelos gelados e o bronzeado no Verão. Um lugar tem gente e a gente daqui acolhe-me.

O senhor que me dá boleia do porto fala da praia, da pedra que o mar trouxe e, antes de me deixar no Largo da Palmeiras, promete-me que, mais uns meses, e a areia estará de regresso, mas o dia ainda mal começou. Venho a convite da escola do Porto Santo, os professores recebem-me com um café ali numa esplanada do Largo das Palmeiras, falamos da actualidade ou não viesse para falar de jornalismo, comentamos que está crise para depois concluir que poucas profissões são as que não estão em dificuldades neste tempo acelerado, de computadores, telefones, redes sociais e poucas crianças.

Nesta manhã de sol parece tudo menos preocupante e seguimos para a câmara, de caminho cumprimento conhecidos, trocamos umas piadas antes do nervoso. A plateia enche-se de miúdos, adolescentes e eu lembro-me como são exigentes, como nos topam à légua, tenho sempre medo de falhar, de falhar a quem veio para ouvir. E nisto a conversa começa, o moderador é professor e foi jornalista no velhinho ‘Comércio do Porto’, jornal que entretanto fechou. Falamos de fax, de telex, de fotografias reveladas na câmara escura, de coisas modernas como o ‘modem’ e de como tudo isto parece pré-história para aquela assistência. O jornalismo agora é outro, não demora um dia para acontecer, é quase instantâneo e as fotografias não se revelam, mandam-se por sms ou por mail.

Mudou muito, mudou quase tudo, enquanto digo que continua a ser importante estar informado. Saber não ocupa espaço, não é perda de tempo e dou por mim no lugar dos velhos, dos que vinham falar para turmas de adolescentes ou jovens universitários. Eu fixei alguns conselhos, quando a conferência acaba pergunto-me se terão guardado este dia, o que foi dito naquela conversa. Penso isto de cada vez que uma escola me convida para falar, seja aqui no Porto Santo ou em São Jorge, sejam os alunos tímidos ou faladores, cheios de perguntas e provocações, dos que querem muito saber a idade ou onde arranjo o cabelo. Sim, já me perguntaram isso com a mesma naturalidade com que quiseram saber o que é preciso para ser escritor.

Os adolescentes desconcertam, fomos todos um pouco assim, mas foram os adolescentes que organizaram a conferência, que a pensaram como parte de um ciclo para assinalar os 600 anos da chegada dos navegadores portugueses. O Porto Santo também quer estar nas celebrações, não quer que o esqueçam, que ali custa a chegar tudo. Eu tiro uma fotografia na areia, aprecio o dia de sol, o sossego, deslumbro-me com o exotismo de lugar perdido no tempo, mas quem vive aqui sofre com o isolamento quando adoece, lamenta a piscina que está fechada há anos e revolta-se contra o esquecimento. Ainda assim, recebe quem chega de sorriso e com o calor de uma boa conversa. E é também por isto que gosto de voltar.