Crónicas

Férias grandes

E era uma solidão sem telefone, sem internet, sem redes sociais ou qualquer outra forma nova de comunicar

Os últimos exames faziam-se no calor de Julho, era aquele último esforço antes de arrumar a mala e correr para casa já as saudades apertavam. A faculdade ia esvaziando, a esplanada sem ninguém e o bar em silêncio. Na cantina, ao jantar, meia dúzia de almas ocupadas com os exames e as notas, a matutar na oral que estava a chegar. Eu também, que era tímida, tinha sotaque e poucas vezes conseguia dispensa.

Fora as horas a ler fotocópias de Direito e Deontologia da Comunicação Social ou Semiologia – cadeiras que tive em anos diferentes – não podia dizer que fosse mau andar por Lisboa, até era bom refugiar-me no cinema quando os termómetros das farmácias marcavam mais de 35 graus ou demorar nas lojas por causa do ar condicionado. De tudo, o pior era a solidão. As moedas para telefonar para casa estavam contadas e os amigos iam dizendo adeus assim que as notas saíam.

Aquelas despedidas desajeitadas tinham graça, trocávamos sempre números de telefone e endereços, íamos todos mandar postais. A mim mandavam sempre, penso que por ser das ilhas, por ter um cabelo pelas costas e usar os óculos redondos do meu avô. Ou talvez fosse apenas por estar longe e por amizade. O que, nos últimos dias antes das férias, ajudava a passar as tardes a estudar sem dizer palavra numa enorme e absoluta solidão.

E era uma solidão sem telefone, sem internet, sem redes sociais para distrair e ver fotografias, para meter um ‘gosto’ num vídeo, sem maneira de conversar por sms ou qualquer outra forma nova de comunicar. Estar só naqueles dias antes de apanhar o avião para casa era falar apenas quando pedia um café e uma bola de Berlim ao empregado numa esplanada e ter a impressão de que era capaz de ouvir o próprio pensamento.

Eu estudava para os exames, lia os jornais e as revistas todas a que deitava a mão, não perdia as notícias na televisão, os filmes e a telenovela e mesmo assim sobrava tempo, um tempo que me parecia infinito, que nunca acabava e nunca parecia preenchido como o das pessoas que conhecia, até dos amigos da faculdade que já tinham apanhado o comboio para casa e estavam a divertir-se muito lá nas terras de onde vinham.

De modo que era cá uma emoção aqueles dois dias antes da viagem, quando tinha de meter a roupa toda na mala, escolher o melhor vestido para não fazer má figura no avião e fazer as últimas despedidas. Um abraço para durar até Outubro, quando nos voltaríamos todos a encontrar em Lisboa, já sem calor e com vendedores de castanhas na rua. Íamos todos mandar postais, mas eu, naqueles últimos dias de Julho, já só sonhava com o meu quarto, os meus cães, as minhas tias, o aconchego de casa, da minha mãe, do meu pai e do mano.

Eu quis muito sair do Laranjal, conhecer mundo, imaginei como seria Lisboa, as suas ruas e as pessoas que lá viviam, mas nos anos da faculdade nada foi mais caloroso e reconfortante do que regressar a casa nas férias.