Crónicas

Descobre as diferenças!

Em 1980 e perante a situação catastrófica dos transportes aéreos, o Governo Regional decidiu fretar um avião para estabelecer ligações entre a Madeira e Lisboa. Em 2017, negoceia-se, em cima do joelho, um voo para estudantes...

Houve um tempo da nossa História, numa Madeira que ainda não era de ouro, nem pertencia ao melhor país do mundo em termos turísticos, onde a fome, a doença, as dificuldades e o sofrimento abundavam. Na época dos nossos bisavós, a vida não era fácil neste pedaço de terra no meio do Atlântico. O desespero e a vontade de singrar na vida, a nobre missão de matar a fome aos filhos e de assegurar o mínimo de conforto para a família, levaram milhares de madeirenses a abandonar, com o coração apertado, os seus parcos pertences e a desbravar o mundo em travessias marítimas perigosas e demoradas.

Nesse tempo difícil, não existia a definição, como conhecemos hoje em dia, de Estado Social. Os mendigos proliferavam, a miséria e a ignorância grassavam e as esmolas, donativos e até mesmo obras beneméritas em prol da comunidade faziam parte das responsabilidades sociais e até mesmo morais daqueles que eram mais abastados.

Em 1877, o presidente da câmara de Santa Cruz, perante a necessidade de ser ali construído um tribunal, não só fez a doação do terreno que lhe pertencia, como também suportou, com dinheiro do seu bolso, as despesas para a primeira fase da construção do edifício. Chamava-se Joaquim António Telles.

Quem é o senhor Telles dos tempos modernos?

Nesse mesmo ano e também no mesmo concelho, as obras do cemitério de Santa Cruz avançaram graças aos donativos de João Bettencourt Baptista e de Alfred Blandy.

Há quem diga que estes gestos não eram assim tão gratuitos. Numa discussão sobre o tema, ainda ouvi a seguinte sentença: «Eles contribuíam com obras e donativos, mas sugavam os madeirenses. Enriqueceram à custa dos madeirenses!»

Então e agora como é? Descobre as diferenças!

Houve um tempo na nossa História em que não existiam subsídios do Estado para manter empresas, associações ou instituições, o que obrigava a uma necessária elasticidade da imaginação daqueles que, com mais ou menos posses, tentavam sobreviver e até mesmo inovar e empreender numa ilha tão pequena e com tantas dificuldades.

Em 1878, o conde do Carvalhal ofereceu várias árvores e arbustos para o jardim do convento de S. Francisco. Em 2017, por exemplo, a Secretaria Regional da Agricultura ofereceu plantas endémicas da Macaronésia para serem plantadas nos jardins de uma empresa de transportes alternativos.

Na área da saúde, em 1880, o Governo louvou publicamente o visconde da Ribeira Brava pela elevada quantia que este colocou à disposição do ministério do Reino para a construção de um hospital na Ribeira Brava. O mesmo visconde que organizou festas e quermesses em Lisboa para angariar fundos para a construção do referido hospital.

«Eles contribuíam com obras e donativos, mas sugavam os madeirenses. Enriqueceram à custa dos madeirenses!»

Então e agora como é? Descobre as diferenças!

Num passado mais recente, em 1980, e perante a situação catastrófica dos transportes aéreos, o Governo Regional decidiu fretar um avião para estabelecer ligações entre a Madeira e Lisboa. Medidas que solucionaram o problema de centenas de passageiros que aguardavam transporte aéreo. Em 2017, negoceia-se, em cima do joelho, um voo para estudantes, gasta-se 7 milhões e meio num estudo sobre a ampliação do porto do Funchal (estava no programa eleitoral?), quando esse valor daria para fretar centenas de aviões e resolver o problema de outras tantas centenas de jovens.

E foi numa Madeira pitoresca, afamada pelos seus ares regeneradores, que recebemos os maiores elogios de visitantes ilustres de calibre internacional, desde estrelas de Hollywood, monarcas, escritores, artistas e tantos outros que por aqui passaram. Em pleno Século XXI, destacam-se os convites a pseudo vedetas de novelas de categoria duvidosa para promover o destino turístico.

Com bons ou maus exemplos, somos feitos, enquanto sociedade, de bocadinhos da nossa História. Houve a tendência de criar uma nuvem negra em certos períodos da nossa vivência. Passou-se a ideia de que durante um período mau, nada de bom havia a realçar ou merecia ser imortalizado. Errado! Completamente errado, injusto e hipócrita.

Numa sociedade moderna, onde os dinheiros públicos são usados e muitas vezes abusados, é preciso não esquecer que houve um tempo, na nossa História, em que existiam pessoas que se interessavam verdadeiramente pela causa pública, longe de imaginarem o estado de subsidiodependência a que chegamos.

Pessoas abastadas que construíam, a suas expensas, obras para servir a população, que ocupavam cargos em associações de beneficência e não ganhavam um tostão com isso ou até mesmo, nos primeiros anos de autonomia, abriam concursos públicos, mas asseguravam sempre grandes contrapartidas sociais para a Região.

«Eles contribuíam com obras e donativos, mas sugavam os madeirenses. Enriqueceram à custa dos madeirenses!»

Então e agora como é? Descobre as diferenças!

«A incompreensão do presente nasce fatalmente da ignorância do passado. Mas não vale a pena esgotar-se para compreender o passado quando nada se sabe do presente». A frase é do grande historiador Marc Bloch.