Crónicas

A Garagem da Vizinha

E se há mesmo a forte convicção de se criar mais um museu na Madeira, ninguém pensou em recuperar a ideia do antigo secretário regional do Turismo e apostar na construção do Museu do Turismo da Madeira, dignificando este sector vital para a Região? Ou o Museu do Emigrante, numa justa homenagem à Diáspora? Ou o Museu da Indústria e das Telecomunicações? E até dou o benefício da dúvida ao Museu da Música, como sugeriu um dos partidos políticos.

Exercício de sensibilidade e bom senso. Comente o seguinte texto: O Miguelinho teve uma festa de anos de arromba. Os pais puseram a tocar músicas do Quim Barreiros. «A Garagem da Vizinha» ecoou por toda a vizinhança, para grande embaraço do Miguelinho e dos seus amigos que não eram adeptos da música pimba. No final da festa, o adolescente recebeu 100 euros de prenda. Entre comprar umas sapatilhas para Educação Física e gastar o dinheiro numa noite de farra com os amigos, optou pela segunda e ainda ficou a dever dinheiro.

No dia seguinte, foi para a escola com as sapatilhas gastas, mas o grupinho, entusiasmado, ainda falava sobre a noite espetacular da farra. Era popular e isso valia a pena! Ele tinha o sonho de ser um miúdo super cool, mesmo com sapatilhas puídas.

Considera que o Miguelinho soube estipular as prioridades?

Ora bem, até é compreensível que quando temos 16 anos, não tenhamos a capacidade de definir bem as prioridades. O que já não é de esperar é que este comportamento seja reincidente em gente adulta, principalmente quando os seus atos e decisões tem implicações na vida do comum dos mortais.

A propósito de prioridades e de saber ou não estabelecer as metas sobre aquilo que é necessário, sinto-me na obrigação de falar sobre o futuro Museu dos Automóveis Clássicos da Madeira. Independente das ideias grandiosas de transformar o local numa espécie de Quinta Avenida nova-iorquina, com espaços luxuosos para turista ver (contrastando com a lota), é de questionar sobre a necessidade, no panorama atual, de abrir os cordões à bolsa para tal obra. E mesmo que o dinheiro - conforme foi justificado no dia em que se soube dos valores – tenha origem «no âmbito da aplicação das verbas consignadas às obras na zona de jogo da Região, uma vez que a mesma será integralmente financiada através destas receitas, libertando-se, desta forma, o orçamento regional de encargos», impõe-se o dever de perguntar se este projeto é, de facto o mais prioritário, para ser gasto este milhão e meio de euros

Tendo em conta que as verbas têm de ser canalizadas para projetos de interesse turístico dentro da cidade do Funchal, não se vislumbram outras prioridades? Se o dinheiro, conforme foi explicado ao Diário, não sai do orçamento regional, então como será feita a aquisição e reparação das viaturas? Existem subsídios para todos aqueles que necessitam restaurar os seus automóveis? As viaturas que pertencem a privados, serão oferecidas à Região pelos seus proprietários? As despesas de funcionamento e de pessoal dessa nova infraestrutura serão suportadas por quem?

E se há mesmo a forte convicção de se criar mais um museu na Madeira, ninguém pensou em recuperar a ideia do antigo secretário regional do Turismo e apostar na construção do Museu do Turismo da Madeira, dignificando este sector vital para a Região? Ou o Museu do Emigrante, numa justa homenagem à Diáspora? Ou o Museu da Indústria e das Telecomunicações? E até dou o benefício da dúvida ao Museu da Música, como sugeriu um dos partidos políticos. Estas opções terão, certamente, mais quantidade e abrangência, em termos de espólio e de target, do que «um parque de automóveis clássicos superior a 1000 viaturas com valor histórico e cultural reconhecido internacionalmente».

Não coloco em causa a importância dos Clássicos, nem o glamour que os mesmos têm e provocam nos madeirenses e nos turistas, sempre que uma dessas preciosidades aparece na rua. Acho que se impõe o dever de perguntar se não há outras ideias que merecessem ser discutidas e analisadas no rol de prioridades e se aquela zona é, de facto, a mais indicada (e já agora por quem?) para receber um museu com estas características.

E em nota de rodapé, convém melhorar a comunicação que se faz quando se tomam decisões como esta, até porque e a avaliar pelos inúmeros comentários a respeito do assunto, há muitas pessoas que não percebem como é que vai haver um milhão e meio de euros para uma «garagem» e não há para a Saúde.

Voltando ao problema inicial, o Miguelinho estoirou os 100 euros num convívio com os amigos. Não comprou as sapatilhas para Educação Física. Passados uns dias, levou falta. Foi uma chatice, pois ultrapassou o limite e perdeu o ano. Ficou em casa a morrer de tédio ao ouvir o rádio a altos berros a tocar «A Garagem da Vizinha».