Crónicas

4 de Abril de 1931

Não nos podemos esquecer. Fazem amanhã 87 anos que da Madeira se ouviu um grito de revolta. De revolta contra a ditadura, pela democracia e pela liberdade.

1. Disco: “Golden Collection” de Fela Kuti. Se há pessoas que personificam um povo inteiro Fela Kuti é um deles. Músico, compositor, homem de cultura e criador do AfroBeat e, acima de tudo, homem político e grande activista dos direitos humanos. Nigeriano, Fela foi voz maior na denúncia da desumanização do regime e da corrupção. Foi, mesmo, candidato presidencial e perseguido por isso. Vítima de SIDA, morre em 1997. O disco é uma compilação como que de melhor ele produziu.

2. Livro: “As Cruzadas Vistas Pelos Árabes” de Amin Maalouf. Porque cada história tem, pelo menos, dois lados.

3. Filme: “LBJ” de Rob Reiner. É um filme de 2017e ajuda muito a conhecer a história de um presidente americano que a história não tem ajudado a descolar da figura de Kennedy. Não fosse a má leitura que fez do envolvimento do seu país no conflito vietnamita e o seu papel na história dos EUA teria sido outro. De qualquer modo, se JFK pensou a “Bill of Rights”, foi pela mão de Lyndon Johnson que esta foi aprovada. Realce para o fantástico papel de um Woody Harrelson, transfigurado.

4. E lá saíram as listas dos apoios da DGArtes.

Eu, que tive uma companhia de teatro assumidamente “trapalhão” porque não tinha dinheiro nem nunca quis recorrer a subsídios, estou à vontade para falar.

Num país que tem uma lei do mecenato miserável porque não há, nem nunca houve, vontade política para ter uma a sério, num país onde a esmagadora maioria das empresas nem têm uma pálida ideia do que é a sua responsabilidade social, num país onde não há o cuidado de formar públicos, é um facto que muitos projectos culturais só podem sobreviver com o apoio do estado.

Por uma questão de interesse meramente pessoal, permitam-me que me fique pelo teatro: O ÚNICO PROJECTO CANDIDATO PELA MADEIRA nesta área, o fantástico Feiticeiro do Norte do Élvio Camacho e da Paula Erra, não foi contemplado.

Pela primeira vez permitiram-se candidaturas das Autonomias e o resultado foi este. Mas os meus amigos Élvio e Paula ficam na melhor das companhias: Teatrão, Escola da Noite, Centro Dramático de Évora, o Teatro das Beiras, Teatro Experimental do Porto, Seiva Trupe, Teatro de Animação de Setúbal, Teatro Experimental de Cascais do grande Carlos Avilez, todos ficaram de fora.

Como ficaram de fora dois importantes festivais de Teatro: o FITEI e o Festival Internacional de Marionetas do Porto.

Ponham uma coisa na cabeça: somos um país de tesos governados por miserabilistas que não entendem o valor que a cultura tem. Se tivéssemos governantes com coragem mudavam a lei do mecenato tornando-a atractiva às empresas, abanavam o tecido empresarial de modo a que este assumisse a responsabilidade social que deve ter e investiam seriamente na cultura.

Fora do Teatro, os meus parabéns à Porta 33 e ao Dançando com a Diferença pelos apoios recebidos.

PS: porque conheço o Élvio, sei que a sua resiliência, teimosia, amor pelo Teatro, farão com que o seu Feiticeiro cresça e floresça. Sei que o sucesso do seu Balcão de Cristal não está no subsídio, está na sua vontade. Força meu amigo. Um grande beijo à Paula.

5. Eu acho imensa piada ao pessoal do PCP e quejandos. Como andaram a vida toda agarrados pela veia à ex-URSS, entendem agora que Putin e a sua cleptocracia de oligarcas são os herdeiros do comunismo soviético. Putin não é sequer de esquerda, é um ex-KGB que tem tudo a ver com a direita mais conservadora. O seu partido, Rússia Unida, tem acordos e parcerias feitos com o FPO austríaco, com a Liga Norte italiana, com o Movimento Dveri da Sérvia, com o AfD alemão, com a FN francesa, tudo partidos de extrema-direita. É agora incontornável a sua interferência no Brexit e na eleição de Trump. É um homofóbico que permite campos de concentração para gays na Chechénia, os serviços sociais estão ao nível dos dos americanos (ou seja são maus), tem os sindicatos agarrados pelos tomates (mostrem lá notícias de greves), é um imperialista apologista do império da águia das duas cabeças (uma olha para ocidente e a outra para oriente) e daí a encapotada invasão da Ucrânia e a anexação da Crimeia. É o maior responsável pelos massacres na Chechénia, pela invasão da Geórgia, pela questão Abkaze e da Ossétia, e a Síria onde tudo vale para manter como suas as bases de Hmeymim e de Tartus. É um tirano que restringe o direito à manifestação, etc.. Em suma: um ditador encapotado!

6. A propósito de uma pretensa antecipação de eleições, para as quais neste momento não descortino nenhuma razão plausível, escrevi o abaixo, dias depois das últimas autárquicas: “Aqui a pensar que, se calhar, Miguel Albuquerque perdeu uma oportunidade de ouro para clarificar a seu favor a situação política regional. Demitia-se de Presidente do Governo com a desculpa dos maus resultados nas autárquicas e levava isto para eleições antecipadas. Matava uma data de coelhos com uma cajadada: o PS, que tinha que avançar com Carlos Pereira; Cafôfo e “sus muchachos” que ficavam apeados; e se conseguisse repetir o resultado das últimas regionais, limpava a oposição interna. Just a thought...”

7. No Parlamento Europeu foi aprovada, graças a Deus, uma Emenda a um Relatório da Comissão REGI que vai permitir criar apoios comunitários, no pós-20/20, ao regresso de migrantes. Isto encaixa que nem uma luva, no caso da Madeira, com a vinda dos nossos conterrâneos da Venezuela. O PPE votou contra. PPE onde estão albergados o PSD, o CDS e o MPT. E se escrevo isto aqui é porque a estas coisas têm que ser atribuídas responsabilidades.

8. Afinal a Madeira contribui positivamente para o desagravamento do défice do país. Venham de lá as desculpas do patusco do Costa e do inenarrável César.

9. Por outro lado, ficámos a saber que o governo socialista conseguiu um agravamento de impostos na ordem de 37% do PIB em 2017. E, também, não pediu desculpa por isso.

10. Não nos podemos esquecer. Fazem amanhã 87 anos que da Madeira se ouviu um grito de revolta. De revolta contra a ditadura, pela democracia e pela liberdade. O 4 de Abril de 1931 será sempre uma data maior na história de Portugal. Durante cerca de um mês, uma nesga da pátria foi bem maior que o país. Contra tudo e contra todos se tentou dar um basta. Pela última vez, em quarenta e muitos anos, se respirou liberdade no espaço nacional. Escreveu o Capitão Carlos Vilhena, um dos participantes: “se a Revolta da Madeira tem triunfado, não tinha havido Segunda Guerra Mundial”. Um assunto interessante ao qual se poderá voltar oportunamente.

A memória dos heróis de 31 não pode ser esquecida. César Nunes de Oliveira, Flávio Aires de Albuquerque, Ernesto Machado, Correia de Gouveia, Cristóvão Ascensão, Zeferino Conceição, Ernesto Aciaioly, Jaime Albuquerque Gonçalves, Gabriel Pereira, Gregório Pestana Jr., Elmano Vieira e Feliciano Rodrigues são alguns nomes a quem a Autonomia ainda não rendeu a devida homenagem. São alguns dos heróis madeirenses da Revolta da Madeira. E quem luta pela liberdade deve ser merecedor de toda a nossa atenção e reconhecimento.

11. Esperar para ver o que a montanha vai parir em relação à Mobilidade.