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Viver a inclusão

“Inclusão é o privilégio de conviver com a diferença”

Ela vinha pelo corredor em passos hesitantes, estimulada pela professora que a incitava a prosseguir no seu objetivo: ir à Reprografia da escola fazer uma fotocópia. Desempenhada a tarefa, ei-la de volta sorridente de orgulho, para a sala da Unidade Especializada, um equipamento instalado nas escolas há alguns anos para, tal como as Unidades Estruturadas, ajudar a acolher crianças e adolescentes com Necessidades Educativas Especiais (NEEs), no seu percurso escolar. Esta era tão só uma tarefa integrada no treino de competências funcionais, da capacidade de autonomia e independência pessoal e social, de modo a tornar os cidadãos portadores de deficiência o mais autónomos e independentes possível.

Poderá parecer estranho ao comum dos mortais, mas há aprendizagens e saberes mais importantes do que as leis da Física, as equações matemáticas ou a flexão verbal, na formação destas crianças. E o sucesso individual constrói-se de pequenas grandes vitórias, os passos do Plano Educativo Individual (PEI), elaborado consoante a funcionalidade de cada uma, onde se instituem as adequações curriculares, o Currículo Específico Individual (CEI), ou o Plano Individual de Transição (PIT), destinado ao desenvolvimento de competências pessoais e laborais, que certa intelectualidade elitista considerará irrisórias. Mas disto só perceberão as famílias que se angustiam face ao dia de amanhã, porque os pais não duram para sempre.

A inclusão é o direito que todas as crianças e jovens têm na escola, ainda que apresentando deficiências profundas, ou contextos de multideficiência, sempre que isso se inscreva no seu superior interesse e bem-estar. É a condição ética de uma sociedade desenvolvida, comprometida com a equidade de tratamento de todos os seus pares, o equilíbrio entre igualdade e diferença, as balizas da liberdade e da dignidade humana. É um nobre objetivo de sistemas educativos mundiais, estatuído no art. 5º da Declaração dos Direitos da Criança, na Declaração de Salamanca e todos os tratados afins. É um desígnio que contém em si tesouros de cooperação, entreajuda, generosidade, partilha, tolerância e aceitação do outro, aprendizagens que nos fazem melhores seres humanos. Disto se falou em Santa Cruz, no IV Encontro de Educação no dia 26 de maio, iniciativa da Câmara Municipal.

A lei consagra o direito de matrícula às crianças portadoras de deficiência, em todos os estabelecimentos de educação. Mas ainda falta muito a fazer para sair do formalismo do texto legal. Porque a intervenção o mais precoce possível, precisa ir muito mais além de formais sinalizações, relatórios, formulários e afins. Numa sociedade cada vez mais heterogénea e complexa, mas evoluída e consciente, a diferença deve ser valorizada e reconhecida, pesem as crenças em homogeneidades virtuais, ou discutíveis segregações antes e depois da escolaridade. Urge uma cultura de genuína inclusão.

Que respostas temos para todas as fases da vida dos cidadãos com NEEs? Chegará o trabalho, sem dúvida meritório, do Centro de Atividades Ocupacionais (CAO), na etapa pós-escolar? Qual a sensibilidade da sociedade lá fora, dos organismos e instituições do Estado, autarquias, museus, escolas, repartições públicas, organizações culturais e desportivas, ONGs, o mundo empresarial, em relação ao emprego protegido destas pessoas? De que modo é cumprida a lei que institui a inclusão de cidadãos portadores de deficiência no mundo laboral? Eles estarão, por certo, longe dos superiores desempenhos de famosos CEOs, mas saberão muito de dedicação, responsabilidade, pontualidade, valores que contam em qualquer organização humana, e que os e nos dignificam como pessoas. Isto não conta para a cotação da responsabilidade social de empresas e organizações?

Os desafios das NEEs não terminam com a frequência escolar, apoiada em Unidades Especializadas, Estruturadas, adaptações e acomodações curriculares: há que levar as pessoas o mais longe possível, na vida pós-escolar, e inseri-las o melhor e sempre que possível na comunidade, no mundo do trabalho como manda a lei e a ética social, sem falsos paternalismos. A inclusão não é problema, mas solução para uma sociedade mais justa, mais democrática, mais evoluída. E o seu objetivo é fazer com que os diferentes passem o mais despercebido possível, para que se os olhe mas não estranhe, não marginalize, nem exclua; eles também são cidadãos.