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Um pedacinho de paraíso

Entramos naquela pequena caixa, apenas com uma ligeira abertura para deixar o ar entrar, apesar das amplas janelas. Quando a porta fechou, já não havia retrocesso possível. Foi altura de deixar as vertigens na plataforma.

São mais de 600 metros de desnível. Com uma inclinação inicial a rondar os 45º. Fiquei virado para a falésia. Podia ver de perto a rocha, desafiando a gravidade, as plantas crescendo nos mais recônditos buraquinhos disponíveis, e depois, aquela verticalidade impossível. Ousei olhar para baixo. Distraí-me a ver as ondas, perfeitas, num dia mágico em pleno inverno. Quando finalmente chegamos, numa interminável viagem de cinco minutos, entrávamos num pedacinho de paraíso.

Naquele fim de tarde, o meu olhar perdeu-se naquelas falésias, perfumadas com a maresia, misticamente encantadas com a bruma do mar, acariciadas pelo sol morninho de inverno, cujas fajãs foram domesticadas pelo homem ao longo de séculos. Num devaneio mental, retrocedi milhões de anos, até ao momento em que, aquele mesmo sol, via nascerem do mar montanhas, desafiadoras, inexplicáveis. Montanhas estas que seriam a casa de um povo resiliente, de carácter moldado por montes e vales abruptos, rodeado pelo oceano.

Acariciando as pedras dos muros que dão suporte às culturas do local, pude imaginar mãos calejadas, vencendo uma natureza agreste, extraindo da terra o sustento, moldando o terreno, criando verdadeiras obras de arte rústica. E não consegui evitar um certo orgulho por pertencer a este povo.

Percorrendo a fajã da Achadas da Cruz, inevitavelmente abracei com o olhar o mar e as enormes ondas que explodiam a metros da costa, apenas para morrerem no calhau rolado. Lembrei-me das vezes que havia surfado e velejado naquelas mesmas águas. Momentos inesquecíveis, únicos e, todavia, repetíveis, porque para sempre, aquelas ondas e aquele lugar, estarão à espera de alguém, de uma alma que compreenda que a beleza daquele sítio, reside na sua quase inacessibilidade, na sua pureza, mas também, na sua brutalidade selvagem.