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Um novo ideário

A sociedade madeirense precisa de um novo horizonte. Vivemos momentos de desorientação e falta de liderança. Andamos às voltas, em círculos. Depois de décadas a combater moinhos de vento e a perseguir quimeras, acordamos num futuro, transformado em presente, muito distante daquele que havia sido prometido. Apesar dos enganos para os quais a sociedade madeirense foi sendo encaminhada, há uma saudade que resta de todo esse ciclo que findou (e falhou): a existência de um caminho para percorrer. Mesmo não concordando com o caminho escolhido, ou pelo menos com a forma como esse caminho foi percorrido, a verdade é que ele existia e estava à vista de todos. Hoje a sociedade madeirense sente-se órfã de objetivos, metas, horizontes, bandeiras, propósitos pelos quais se possa mobilizar e lutar.

Infelizmente, o suposto momento de transição/renovação/mudança para um novo ciclo, um novo modelo de desenvolvimento, um novo caminho, está a passar sem que se efetive. Continuamos agrilhoados a modelos e lógicas do passado. A inércia que a própria sociedade e os grupos de interesse impõem (empresariais, políticos, profissionais, religiosos, culturais e sociais, entre outros) está a fazer perder o momento certo para a sociedade se envolver num novo desafio. Como canta Sérgio Godinho, a Madeira está “à espera do comboio na paragem do autocarro”.

Faz muita falta um novo ideário que enquadre e oriente a sociedade madeirense. Um ideário que esteja ancorado nas nossas aspirações mais antigas mas que se abra aos desafios do presente e do futuro. Este novo ideário terá de surgir a partir da própria sociedade organizada mas faz sentido que resulte de uma reinvenção do conceito de Autonomia, conceito com um elevado grau de unanimismo entre nós, mesmo que com diferentes interpretações, e que poderá constituir uma âncora forte para um novo ciclo. Reinventar a Autonomia implica expurgá-la da ditadura político-administrativa a que foi sujeita e conciliá-la com a vida real dos madeirenses. Fazer evoluir a Autonomia requer a sua aproximação a conceitos como o de autossuficiência e sustentabilidade. Implica acabar com a reivindicação truculenta com o exterior e voltá-la para o desenvolvimento das nossas potencialidades internas.

Neste novo ideário há inúmeros aspetos incontornáveis que terão de ser profundamente trabalhados no sentido de concorrer para um horizonte de autossuficiência. De entre muitos outros, destaca-se a autonomia alimentar e energética, aspeto que continua fortemente dependentes do exterior, ferindo de morte a nossa verdadeira autonomia. Potenciar, de forma sustentável, o sector primário (agricultura e pescas) é essencial neste novo caminho mas também o é reduzir a dependência energética do exterior. A energia deve ser uma das prioridades no topo da lista, não só promovendo as energias renováveis como também a poupança e a eficiência energética, nunca esquecendo uma mobilidade menos energeticamente intensiva, pois é aqui que mais de metade da energia é gasta. Valorizar os nossos resíduos, pois os materiais que os compõem valem largos milhões de euros por ano, deve constar deste novo ideário, assim como manter e conservar os recursos naturais pois são eles que nos fornecem os serviços essenciais à atividade social e económica. Reduzir as importações, evitando que as divisas saiam da Região e maximizando a sua aplicação na nossa economia, será sempre um importante princípio a perseguir neste contexto de autossuficiência e sustentabilidade.