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Premonição

Ao ver o que se passa hoje com

Quando se vasculham bibliotecas e memórias, encontram-se por vezes coisas preciosas, que escaparam a uma primeira visita, mas que o Tempo, esse ditador, acaba por fazer reviver e meditar.

No pequeno opúsculo “Finis Patriae”, de Guerra Junqueiro, encontrei o poema “Falam as escolas em ruínas”, que acaba com esta estrofe:

“Tu fazes, Pátria, as almas cegas,

Prendendo a infância num covil.

Aves não cantam nas adegas;

Se a infância é flor, porque lhe negas

Abril?”

Tal e qual: o Poeta considerava Abril (e não o abril do acordo ortográfico) como um mês emblemático, símbolo da Primavera a que associava a Infância – o florescer de todas as esperanças.

Isto foi escrito oito décadas antes de um outro Abril, decerto mais badalado, até a nível mundial, mas, no conceito do direito a uma educação de qualidade, não menos denso do que a curta estrofe de Guerra Junqueiro.

O Tempo prega-nos estas partidas: entre outras, torna atuais histórias antigas, quando se julgava que tinham passado à História.

Ao ver o que se passa hoje com o chamado Parque Escolar dir-se-ia que pouco mudou neste País, em termos da atenção que merece o investimento na Educação.

Uma questão de prioridades, dirão uns; um problema de conjuntura, dirão outros; cavalo de batalha dos sindicalistas, dirão outros mais.

Mas não. É o problema da garantia do Futuro, da Primavera que não pode ser adiada, e que o Poeta singelamente associava a Abril. É o investimento, no tempo de hoje, para o tempo do futuro.

Tanto quanto sei, foi Benjamin Franklin que criou a expressão “Tempo é Dinheiro”. Não me parece que o tenha dito apenas numa perspetiva de homem de negócios: usou-a para explicar aos seus conterrâneos e contemporâneos que o tempo é um recurso escasso, não renovável nem recuperável, e não achou melhor modo de traduzir esta ideia que traduzi-la em coisas concretas e fungíveis, e, dentro delas, a mais percetível: o dinheiro.

Talvez por isso, Franklin ainda hoje figura nas notas de 100 dólares... Justa homenagem ou lamentável redução? Por mim, penso que esta escolha o fará porventura revolver-se na cova.

Mas não deixa de ser curiosa a premonição de Guerra Junqueiro quanto a Abril. Não que lhe reconheça méritos de vidente: mas pela acertada associação entre a Infância a e a Primavera.

E não só ele: também Fernando Pessoa se referiu à infância, no seu poema “Liberdade”, de uma forma irreverente, que escandalizou os próceres do Estado Novo:

“... Mas o melhor do Mundo são as crianças,

Flores, música, o luar, o sol, que peca,

Só quando, em vez de criar, seca.

Mais do que isto,

Só Jesus Cristo,

Que não sabia nada de finanças...”