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Os pecados da política

Não se concluirá que tudo é natural e que tanto vale a verdade como a mentira

Ao olhar as aceleradas movimentações políticas, em ordem às próximas eleições autárquicas, colhe-se a impressão de que tudo se está a passar com um nervosismo intolerável.

As eleições marcadas para 1 de Outubro ainda vêm longe e, pelo menos na Região Autónoma da Madeira, está a germinar uma grande ilusão, com a certeza apenas de onde se veio, mas com o total desconhecimento para onde se vai. A ver vamos...

Já tudo nos tem acontecido neste gracioso tempo de democracia que ninguém, de sanidade mental razoável, quer perder, mas que nem por isso deixa de lançar questões sobre a forma de gerir os municípios ou as pequenas freguesias. O risco que se corre é de investir todas as energias na manutenção da aparelhagem política deixando para último lugar a sua primeira razão de ser: o povo que, ora tem ares de integração no desenvolvimento urbano, chafarizes e autoestradas, ora continua mergulhado num terceiro-mundismo de carências que dão títulos de abertura aos telejornais e primeiras páginas nos grandes periódicos.

O que parece é que tudo se está a amassar com perigosa pressa legalista, mas se está a refletir muito pouco na grande urgência apontada como inadiável: repensar Portugal. O que agora se vê, mais parece, precipitar Portugal.

Temos, em abundância, analistas políticos, mais que rigorosos em analisar o que já aconteceu e sobretudo em afirmar o que já tinham previsto, anunciado e até denunciado: todas as evoluções políticas, sociais e económicas. Mais: cada cidadão se sente progressivamente dotado dessa bizarra presciência.

E chegamos ao ponto nuclear: importa compreender que ninguém detém, por inteiro, dados interpretativos da história. Precisamos aprender sempre, de coração aberto, aos ventos que sopram dos quadrantes mais insuspeitos.

A procissão ainda vai no adro mas ninguém ignora o poder clarificador que as eleições no Funchal irão ter para o futuro da Região.

Para o PSD/M era importante reconquistar a capital do arquipélago. Para isso, só obterá esse desiderato com um candidato forte, livre de qualquer suspeita e com uma forte identidade à cidade que Nossa Senhora do Monte protege lá do alto. Um candidato populista serôdio não se vê como suficiente para alterar a situação. Trata-se de discernir sobre o efémero que tem densidade para se transformar em sinal ou, para dizer melhor, em sinais dos tempos ou não. Mais claro, impõe-se a distinção entre o profeta e o charlatão.

Por sua vez o PS/M não está em melhores condições ao confirmar a sua aposta no atual presidente Cafôfo. Primeiro porque as circunstâncias não se repetem e depois porque para grande parte do PS-M é um candidato contranatura que, só o foi, porque o jardinismo assim o quis. O panorama político de 2013 não se repetirá e o Funchal merece melhor. Quem nos disse que o populismo não é só de direita mas também de esquerda?

O candidato do CDS, Rui Barreto, é reconhecido como o mais forte deste trio de candidatos eleitorais. O atual líder parlamentar do CDS é aceite pela sua capacidade de trabalho, pela sua longa experiência política e pela sua profunda formação ideológica. Algo que os outros dois candidatos não têm. Conseguirá, só por si, ganhar a Presidência da Câmara do Funchal?

O Funchal será nestas eleições o epicentro para as próximas legislativas. Às dificuldades de Miguel Albuquerque nestes dois anos de governação junta-se a ambição de Carlos Pereira por um objetivo que sempre sonhou. Correndo por fora, os caminhos nem sempre são fáceis e o tempo não está para voluntarismos.

Nesta análise de perfis dos futuros candidatos não posso esquecer uma das mais jovens prometedoras referências do PSD/M que agora se candidata à Ribeira Brava. A sua postura ética, moral e política é um autêntico valor que já merecia ter sido reconhecido há mais tempo. Tenho por ela e pelo seu trabalho político na Região uma profunda admiração. Com ela, Nivalda Gonçalves, aprendi que não é fácil a leitura dos sinais dos tempos mas é certamente mais correta a leitura feita pelos corações simples e sábios do que pela estultice dos poderosos e arrogantes que se julgam sabedores de todos os porquês.

A política tem de facto as suas regras e as leis que regem o jogo do poder democrático têm enquadramentos muito complexos que se não compadecem com simples boas intenções ou proclamação ingénua dos sãos princípios.

Ao seguirmos de perto os mecanismos subterrâneos e expressos da campanha eleitoral, ao escutarmos os ênfases e promessas dos líderes políticos, sentimo-nos como que remetidos para aquela velha dúvida de estarmos a colaborar num jogo que nada tem de objetivo, mas antes, e apenas, esconde os secretos interesses de grupos ideológicos, económicos e sociais.

Precisamos de entender que não é apenas a política que padece destas ambiguidades, quantas vezes perversas. Tudo o que é humano entretecido de comunicação e marcado por ideais e afetos, mesmo repassados de generosidade e transparência, se reveste da visão parcial embaciada das coisas e das pessoas. Precisamos discernir sem dramatismo o discurso ideal, perfeito, otimizado, da palavra concreta, prosaica embora, que acompanha o quotidiano das pessoas, das famílias e das comunidades.

É preciso, pois, não entrar em pânico com a transfiguração quase instantânea dos discursos e comportamentos políticos, na sequência das eleições, onde o poder passa para a oposição e a oposição passa para o poder.

Não se concluirá que tudo é natural e que tanto vale a verdade como a mentira. Mas importa sempre descobrir os códigos reais que se escondem atrás dos discursos de circunstância. O pecado não está particularmente concentrado na política. Possivelmente, aí é mais visível a bivalência que existe em toda a atividade de qualquer ser humano.

Neste tempo de insegurança, incerteza, risco, vulnerabilidade e inquietação a politica não está de facto para entretenimento de medíocres nem comentários sofistas...