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O ruído da Música!

A Samantha Fox é a melhor cantora do mundo! É tão boa que nem precisa cantar! Assim é muita da música que se ouve ... e vê nas tardes de fim de semana em alguma televisão portuguesa

É muito significativo o número de pessoas que exercem profissões para as quais não estão preparadas ou que extravasam a sua área de conhecimentos, fazendo coisas que não deviam fazer, uns fazendo bem, outros fazendo mal. Encontram-se em Portugal gestores trabalhando como repositores em supermercados, psicólogos a vender roupa em lojas de marca e arquitectos a conduzir viaturas pesadas de mercadorias. Isto em termos aleatórios. E dizem alguns cérebros entendidos que é o mercado de trabalho a funcionar!

Nesta mesma linha de raciocínio, também há pessoas que cantam e gravam CD´s e não sabem cantar. Reconheço uma cantora milionária - que parece querer residir no nosso país - e que não sabe cantar, ou melhor, só consegue cantar músicas muito especiais mas simples, com poucos “desníveis” nos acordes musicais e com muito show-off!

E para alguma estupefacção geral, ganhámos o Festival da Eurovisão - que eu não dava muita importância há alguns anos - com uma balada bem embalada, muito bem cantada, por um cantor a sério! Surpresa? Acho que não! E esta vitória é o motivo do meu artigo, já que considero, com algum conhecimento de causa, que, acerca da música, percebê-la, admirá-la e interpretá-la é um dom, uma qualidade e é um bem precioso! Um dia comentei com um amigo, após ter assistido a uma ópera em Barcelona fantástica de Pucini. Ele admirou-se, pensando que eu só gostava de rock! Respondi que gostava de tudo na música, desde que fosse de qualidade! E afinal como foi que ganhámos a Eurovisão? Porque o cantor e intérprete escolheu bem a música, sabe cantar, sabe falar e sabe mais do que necessário para sair vitorioso. Foi a melhor canção? Como é que se vê e como se avalia isso, se até um surdo-mudo pode ter direito a votar? O certo é que o S. B. Sobral ganhou e explicou, muito claro, no final, que era cantor, tinha portanto aprendido a cantar e limitou-se a cantar e, sabe-se lá como, encantou a Europa!

Depois começaram a chover comentários e só faltou dizerem que ganhámos por causa do Centeno!

Os ritmos musicais e as interpretações dos cantores têm sofrido alterações devido ao marketing. Há músicas que saem cá para fora em Junho para poderem representar uma música de Verão, mas a qualidade musical e o intérprete às vezes não são importantes.

Um amigo, “jovem” de 70 anos, natural desta terra, dizia um dia: - A Samantha Fox é a melhor cantora do mundo! É tão boa que nem precisa cantar! Assim é muita da música que se ouve... e vê nas tardes de fim de semana em alguma televisão portuguesa. Tentando espalhar cultura e diversão ao mesmo tempo pelas terras do interior ou do litoral. Diversão, talvez, cultura, não!

A música portuguesa tem muito valor, tem qualidade, temos excelentes intérpretes, o fado tem um reconhecido estatuto “musical” de nível mundial, mas ainda estamos na fase cultural de ouvir, mais e melhor, com os olhos e não com os ouvidos. O ruído do som tem mais impacto que a pura expressão musical. O aspecto visual dos foguetes, lasers e focos multicolores, que nada têm a ver com o canto e a interpretação, enchem as retinas e os corações dos “analfabetos” musicais. A qualidade, seja do que for, deve ser importante e deve ser reconhecida, porque já nos chega a globalização a ter de mandar em tudo. A música é diferente do ruído musical, com extras sonoros e efeitos de show audio-visual. Nada tem a ver com o gosto musical, porque os géneros musicais são variáveis, com um público afecto e fiel, que opta por este ou aquele tipo de música, consoante uma sensibilidade, uma atracção, um conhecimento ou até um ambiente. Mas um qualquer tipo de música serve para adequar e classificar um ambiente com essas características exactamente próprias que são pretendidas no momento. Na Arábia é suposto ouvir música árabe! Mas uma sessão de jazz leva normalmente a um estado especial de atenção aos pormenores e aos detalhes dos intérpretes. Assim como num concerto de música clássica.

A ilação que pretendo ressalvar é de que a música faz parte da cultura das pessoas e deve ser ensinada a todos, quando crianças e por igual. Depois, os sistemas auditivos e a sensibilidade de cada um irão fazer o resto.