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O arroz e as lapas

Há frases que definem o percurso de um político. Para o bem e para o mal. Para Sá Carneiro, foi a afirmação de que primeiro vinha Portugal e só depois os partidos. Para Mário Soares, seria a proclamação de que a Marinha Grande era do povo, não era de Moscovo. E, para Alberto João, ficaria a ideia de que a Madeira seria o que os madeirenses dela fizessem. Mas há frases para todos os gostos. Para o novo presidente do Partido Socialista, a frase seria a reivindicação do arroz de lapas como um prato originário do Porto Moniz. E questões gastronómicas à parte, não é todos os dias que uma simples frase define, tão bem, um líder partidário. No caso de Emanuel Câmara, a escolha do arroz de lapas é, especialmente, reveladora. Por duas razões. Primeiro, porque depois de ter sido eleito líder do PS e de ter optado pelo silêncio durante dois meses, escolheu, finalmente, sobre o que queria falar. Não foi a saúde, não foi a economia, não foram os transportes. Foi o arroz de lapas. Até as lapas coraram de vergonha. Segundo, porque as palavras de Emanuel Câmara são o reconhecimento da menoridade das suas circunstâncias. O novo líder do PS foi escolhido para que outros pudessem chegar ao poder. E não se trata de um acto de abnegação política, até porque o presidente do PS já se mostrou interessado em fazer parte de um governo socialista. Emanuel Câmara foi escolhido porque aceitou ser peão, num tabuleiro ondem mandam reis e rainhas. A incapacidade para apresentar a sua própria moção ao congresso, foi o primeiro sinal disso. O arroz de lapas só o viria a confirmar. O actual presidente do PS esgotou o seu papel no dia em que foi eleito. A partir daí deixou de contar. Agora quem manda e quem fala pelo PS são outros. Os independentes, os padrinhos, os que apenas partilham os valores do PS. Os de sempre. Ao presidente do Partido Socialista restam o arroz e as lapas.