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Haverá razão para tanto descontentamento?

Muito se tem falado e escrito sobre a ligação marítima entre a Madeira e o Continente. A confusão e a dicotomia das opiniões tornam este assunto numa perfeita arma de arremesso político, muito eficaz para arrasar a confiança da população relativamente às decisões do executivo regional levantando suspeitas de possíveis favorecimentos a certos grupos empresariais.

Nas últimas eleições legislativas, parecia que a retoma da ligação marítima anteriormente mantida pela Naviera Armas era afinal muito importante para a economia regional e para os madeirenses, pois todos os partidos prometeram a reativação dessa ligação. As vantagens de uma ligação marítima frequente entre a Madeira e o Continente são realmente inúmeras. Desde logo, a redução da sensação de isolamento relativamente ao resto do território Português através do aumento da mobilidade com o transporte de viaturas. A possibilidade do aumento no fluxo turístico e a melhoria dos preços e condições de conservação de alguns produtos perecíveis somam também pontos a favor desta ligação. Mas o Armas só veio provar que o nosso micromercado não permite per si o sucesso desta linha. Tanto assim é, que depois do Armas ter saído, no início de 2012, nenhum outro armador tentou retomar a linha. Ficou claro que o sucesso da linha teria de depender do estado, tal como acontece, por exemplo, com as ligações entre o Sul de Espanha e as ilhas Canárias ou as Baleares.

A vontade da população em voltar a ter uma ligação marítima com o continente nunca morreu e foi com as habituais promessas eleitoralistas que tomou um novo fôlego. Algum tempo depois da tomada de posse, o atual governo regional assumiu a linha como sendo de interesse público e desencadeou os mecanismos para lançar um concurso público internacional. Ao contrário do que aconteceu com a iniciativa privada e independente da Naviera Armas, este novo processo pressupõe obrigações e contrapartidas que deveriam ter sido mais amplamente discutidas e que poderiam inclusivamente incluir parcerias com o Governo Regional dos Açores. A oferta e as contrapartidas da concessão têm sido consideradas de pouco interessantes para os armadores interessados la linha, porque nos dois primeiros concursos, das várias empresas que levantaram os cadernos de encargos, nenhuma apresentou uma única proposta. À terceira foi de vez e a Empresa de Navegação da Madeira (ENM) (empresa do Grupo Sousa) foi a única candidata à exploração da linha.

A notícia até parecia boa, mas os madeirenses ficaram descontentes. Não gostaram do facto de ter sido uma empresa regional a ficar com a linha. Porquê não gostar de uma empresa que tem a sua sede na Madeira, que emprega muitos madeirenses e porto-santenses e que pertence ao TOP 100 dos maiores armadores do mundo? Parece também que os madeirenses não gostaram do facto de a concessão implicar o pagamento de contrapartidas e de reduções nas taxas portuárias. Será que levantariam essa questão se fosse um outro qualquer armador a ficar com a concessão? Não terão sido estas, as mesmas contrapartidas apresentadas aos restantes concorrentes? Os madeirenses também ficaram descontentes porque a ENM vai utilizar um navio da Naviera Armas para fazer a ligação e não entendem porque é que nesse caso não concorreu o próprio armador espanhol. Não será muito mais fácil e muito menos arriscado para a Naviera Armas alugar um barco à ENM durante uns meses no verão, e não estar sujeita a variações de mercado que podem comprometer o sucesso da operação?

É óbvio que a ENM não está a fazer nenhum favor aos madeirenses. Seguramente acredita que, de uma forma ou de outra, irá ter lucro no balanço final dos quatro anos de operações. As restantes empresas não apresentaram propostas porque certamente não estimaram obter o retorno pretendido. A empresa vencedora num concurso deste tipo, que está sob o escrutínio de diversas entidades reguladoras, nem devia ser tema de discussão. O importante era definir bem as condições da concessão e futuramente assegurar-se de que estas sejam cumpridas.

Também temos de parar de pensar que temos aqui um mercado em expansão e que esta concessão é uma grande mina de ouro, porque se assim fosse, não seria necessário abrir concurso público para a linha, pois apareceriam naturalmente armadores interessados a cobrir a procura. O problema é que não apareceram, e nem a redução das taxas portuárias e os 9 milhões de euros que serão derramados pelo governo regional durante quatro anos da concessão, foram suficientes para que fossem apresentadas outras propostas.