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Espetada, Macarrão e Poncha

Ao contrário da opinião partilhada nas conversas que preenchem o nosso quotidiano, a política é algo essencial para a humanidade. O Homem é um animal social e o bem-estar de todos depende de modelos de organização e liderança que assegurem o interesse comum. Quando a política é entendida na sua real dimensão, com o envolvimento de todos e centrada na construção de uma sociedade melhor, só pode ser vista como algo elevado, nobre e altruísta. No entanto, a opinião mais comum sobre o que é a política situa-se numa dimensão completamente oposta. Para a maioria, a política é um labirinto de interesses obscuros, um vale-tudo, um antro de corrupção, vinganças, jogos e artimanhas, além de outras coisas bem piores. Há mesmo quem diga que na política não há lugar à competência e honestidade. E, na construção desta narrativa, a sociedade vai aceitando e apoiando o que de pior medra nas estruturas partidárias, e nas cadeiras e corredores do poder. Fenómenos como os de Isaltino Morais, em Oeiras, ou mesmo o de Alberto João Jardim, bem mais perto de nós, entre muitos outros (nem vale a pena falar de Donald Trump), só podem ser explicados à luz de um entendimento menos nobre e elevado da política.

Para quem tem acompanhado a realidade madeirense ao longo das últimas décadas, não é difícil caracterizar a pequenez da política que tem definido (e condenado) os nossos destinos. O domínio do poder político nunca esteve associado à participação democrática, à cidadania, ao debate ou ao esclarecimento, nem tão pouco ao respeito pelo pluralismo. O controlo do poder político (e de todos os outros que gravitam à sua volta, desde o religioso até ao económico) sempre dependeu de uma mobilização popular pelo engodo, favores e o afagar de egos facilmente insufláveis.

A atividade política na Madeira sempre se desenvolveu em torno de festejos e borlas (com auge nas campanhas eleitorais), nunca em torno do debate de ideias e projetos. As ideias e os projetos sempre saíram derrotados porque comer e beber à borla falava bem mais alto. A política na Madeira, ao longo da maior parte do período jardinista, fez-se à volta da espetada e do vinho seco (ainda se lembram do João das Festas?). O futuro da Madeira foi sendo definido no calor dos festejos inaugurais, por entre a fumaça do braseiro, o cheiro a alcatrão e os inebriantes jaqué e americano. Muito tempo a política fez-se assim, foram os tempos áureos de Alberto João Jardim. Tanto tempo que, no fim, o tombo foi estrondoso, uma dívida de 7 mil milhões de euros cujo pagamento continua a significar mais de dois terços de toda a receita fiscal arrecadada na Região Autónoma da Madeira. Na reta final, já em decadência, a governação de Alberto João Jardim ficou marcada pela falta de recursos financeiros, não tendo sido caso suficiente para que a política das festas e inaugurações desaparecesse. Não! Resultou apenas num ‘dowgrade’ dos ‘happenings’ políticos, com as inaugurações das grandes vias de comunicação a dar lugar às dos pequenos acessos, e a espetada a ser substituída pelo macarrão.

Passado o tempo de Alberto João Jardim (será que já passou mesmo?!), estamos num período de definição de novas elites políticas, uma oportunidade para que a verdadeira política se afirme, e as ideias e projetos ganhem importância e, de uma vez por todas, relegue para segundo ou terceiro plano a festança e a pequena política. É com preocupação que acompanho estes primeiros momentos pós-jardinismo, onde as ideias e os projetos políticos escasseiam e o pouco que se vai evidenciado não é mais que uma imitação reles do que nos governou por décadas. Os novos movimentos e protagonistas políticos que se vão afirmando continuam enfermos dos mesmos males. Passado o tempo da politica da espetada e do macarrão, as novas elites vão-se organizando em torno da poncha e de outras bebidas espirituosas. Se não nos centrarmos nas ideias, no debate e na definição de projetos, corremos o risco de, agora em torno da poncha, continuarmos a fazer política para a manutenção de uma sociedade apática, amorfa e inebriada. A política pode ser séria, participada, positiva e virada para o bem comum. Basta querer que assim seja. Mas quantos querem realmente?