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O Brasil

O Brasil vai eleger um fascista. Esta podia ser a crónica daquilo que se branqueia quando se chama ao homem o que ele é - que é fascista. Podia ser a crónica do PT, no poder desde 2003. Totalitário, corrupto, tentacular, o partido desbaratou a confiança de uma geração. Depois da Lava-Jato, depois do Mensalão, Haddad, o candidato, é instruído por Lula da prisão. Os brasileiros, como aliás o resto do Mundo, desprezam marionetas. Sem pudor ou introspecção, ao PT não resta uma mensagem de vitória, ou moral para porra nenhuma. O Brasil não escolhe entre a democracia e o totalitarismo, mas entre o Bolso e nada. A democracia já saiu derrotada.

Esta é a crónica dessa derrota, da adesão que teve. Ela sim interessa. Temo-la visto em Washington, em Londres, na Catalunha, em Paris, Roma.

É temerário e talvez ignorante procurar um elo, um link entre estas eleições. Mas ele existe, e é a falta de pachorra e de coragem.

Começa pela pachorra. No mundo digital e globalizado, não há vagar. A rede não suporta a demora. O algoritmo despreza o aborrecimento - combate-o. Vargas Llosa chama-lhe a civilização do espectáculo, uma cultura obcecada pela sensação e pelo entretenimento, onde os espectadores querem ritmo e os políticos são actores em risco de desemprego. A verdade é muito pouco espectacular, e por isso o teatro é invariavelmente uma farsa.

O que nos leva à coragem. Ninguém reconhece, em voz alta, que a revolução digital e o comércio global não serviram a todos. O Ocidente conta hoje com um exército de destituídos que inclui desajeitados, pouco escolarizados, e desempregados velhos e novos, mas também uma elite que a democracia liberal subverteu. As suas histórias só chegam às notícias para ilustrar o ocaso de um tempo - uma fábrica que encerra, um reformado substituído por uma máquina, uma tradição que acaba - ou como uma reivindicação arcaica ou imoral. Não participam no jogo, não se revêem nos jogadores. Desdenham as regras, que lhes parecem persecutórias. Sentem que vivem numa mentira. Sentem-no com medo, raiva, angústia, todas as paixões baixas. Quando um demagogo denuncia a mesma mentira, acreditam. Quando uma publicação avulsa de uma rede social o apoia, acreditam. Acreditam porque a crença lhe dá a força que lhes falta. E, quando as pessoas acreditam, o incrível acontece. Agitam, como Bolsonaro, os dedos como pistolas no ar. Espectacular.