Artigos

Eleições e bola

porque não “facilitar” o direito de voto, permitindo que seja exercido “remotamente”, em qualquer mesa eleitoral e em dias úteis?

O Governo da República pretende aprovar uma lei que proíbe a realização de jogos de futebol em dias de eleições. Esta putativa iniciativa legislativa viria acolher as recomendações da Comissão Nacional de Eleições, que entende que a realização de eventos como jogos de futebol no dia das eleições autárquicas é desaconselhável, pois pode potenciar a abstenção.

Se não há dúvidas que actualmente as taxas de abstenção são – demasiado – elevadas, também não existirão grandes dúvidas que os Portugueses sempre se interessaram mais por bola – por fado, por vinho, por Fátima, etc. – do que por política e eleições. E nem por isso as taxas de abstenção foram, durante muito tempo, bastante baixas...

Ou seja, nesta, como noutras matérias, os nossos políticos, incluindo os “iluminados” membros da CNE, sem qualquer fundamentação lógico-factual, tomam os portugueses por um bando de seres acéfalos e embrutecidos.

Ora, se assim é, então o sentido da legislação a aprovar deveria ser, ou mais abrangente, ou precisamente o inverso. Mais abrangente porque, seguindo a mesma lógica, haveria também que proibir cerimónias religiosas e espectáculos culturais, a televisão e o cinema, almoçaradas em família ou com amigos, casamentos e baptizados, idas à praia, passeios no campo, bom tempo, doenças súbitas, etc.

E, já agora, porque não tornar o voto obrigatório e punir quem não vote com multas, aumento de impostos, sevícias corporais e a proibição de assinar a Sport TV e de assistir a jogos de futebol ao vivo, excepto da Selecção Francesa e da Liga Chinesa?

Mas se os Portugueses são realmente uns “brutos” que só ligam a futebol, e se o que se pretende é diminuir a abstenção, mais valia aproveitar esta fixação do nosso eleitorado.

Por exemplo, instalando-se mesas de voto nos estádios – de preferência ao lado das roulottes das bifanas e dos couratos –, oferecendo-se bilhetes a quem for votar, ou garantindo-se que, se todos os membros das – inexistentes – claques do Benfica forem votar, este poderá (continuar a) beneficiar de “missas bem rezadas.”

Idiotices à parte, a verdade é que há quem continue a não querer perceber, ou, pelo menos, assumir, os reais motivos do afastamento do eleitorado da política e das urnas. As razões que levaram os Europeus a punir os partidos políticos históricos, os Americanos a hostilizar as suas “elites” e a eleger Donald Trump e os jovens – e quem tem filhos sabe-o bem – a não terem qualquer interesse, ou apetência, pela intervenção política.

Assim, se é para proibir algo, proíbam-se – e punam-se politicamente – as obras feitas e inauguradas à pressa nas vésperas de eleições, as promessas eleitorais imbecis, impossíveis e nunca cumpridas, a falta de qualidade e o culto do desmérito, candidatos cadastrados, acusados e condenados, corrupção, compadrios e abusos de poder, árvores caídas e portas arrombadas, irresponsabilidades e desresponsabilizações, demagogismos e populismos.

E, nesta sequência, porque não “facilitar” o direito de voto, permitindo que seja exercido “remotamente”, em qualquer mesa eleitoral e em dias úteis?

Mas, se é para fazer algo verdadeiramente sério e pensado, é bom que o façam depressa. É que, “pelo andar da carruagem”, arriscamo-nos a viver num regime e num estado em que até exista quem queira votar, mas não existam eleições...

Ou será mesmo isto que alguns partidos políticos do actual “arco da geringonça”, designadamente os que apoiam e elogiam as “democracias” de Chávez e Maduro, de Fidel, da Ex-União Soviética e da Coreia do Norte, pretendem?