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Deixem estacionar a Madonna!

Estalou nos últimos dias a polémica sobre a possibilidade de ter sido dado um tratamento privilegiado a Madonna, na concessão de um espaço pela Câmara Municipal de Lisboa para estacionamento da sua frota automóvel, enquanto decorrem as obras na casa que adquiriu na Rua das Janelas Verdes, em Lisboa. A indignação dos lisboetas foi imediata. Quem é que a Madonna pensa que é?!

Confrontado com tal indignação popular, o executivo camarário apressou-se a divulgar o contrato com a artista, que tornou público que a cedência é meramente temporária, paga e teve como objetivo evitar o eventual estacionamento abusivo naquela zona de Lisboa, pela frota da rainha da pop, que é composta por 15 viaturas. Além disso, existem mais 20 pessoas ou entidades com contratos equiparados.

Este episódio seria de somenos importância se não estivesse intimamente ligado aos crescentes e alarmantes sentimentos de antiturismo que se fazem sentir por parte dos habitantes da capital. Os restaurantes sobrelotados e com preços exorbitantes, o trânsito que teima em atrasar quem está ali para trabalhar, os passeios cheios de gente, os famigerados tuk-tuks, a especulação imobiliária e o encerramento de lojas e serviços tradicionais sobretudo nas zonas da Baixa e Chiado, estão na base destes sentimentos de rejeição.

Viajemos para sul. Na Madeira o turismo nasceu no séc. XV, numa primeira fase de génese marcadamente colonial e depois terapêutica. Os turistas eram atraídos pela orografia, fauna, flora, clima e beleza da ilha. Em 1936 foi criada a Delegação do Turismo da Madeira, com o objetivo de promover o destino e dotar a ilha de condições logísticas adequadas. O turismo para os madeirenses não é novidade. Vivemos, convivemos e porventura até dependemos dele. Mas isso nunca foi um problema.

Creio que Lisboa e até certo ponto o Porto, estão numa fase de transição e amadurecimento a este nível. Estão a aprender a viver e a conviver com esta nova escala de turismo. Se esta transição deve ser encarada de forma natural, o mesmo já não se pode dizer das constantes manifestações de rejeição e negação ao turismo, que até já há quem as qualifique de turismofobia.

Em Portugal o turismo contribui diretamente para aproximadamente 9% do PIB. Constitui 20% das exportações globais e se contabilizarmos apenas a área dos serviços, constitui 58% das exportações. Se aliarmos estes números ao emprego gerado, à reabilitação urbana, à segurança e ao investimento, fica bem patente a preponderância socioeconómica do turismo num país em que as indústrias competitivas escasseiam. Neste sentido, o crescimento turístico deve ser valorizado, aproveitado e encarado como uma oportunidade e não como um problema.

É certo que esta transição não pode ser desprovida da ideia de sustentabilidade. É fundamental que se criem medidas que tornem pacífica a convivência entre residentes e turistas. Estes não podem ser salvaguardados em prejuízo daqueles. Quem vive, quem trabalha, quem cumpre horários, quem precisa de se alimentar fora de casa ou até quem precisa de descansar, não pode ser prejudicado por quem está de férias e em turismo. Tem de haver equilíbrio entre aquilo que se ganha e aquilo que se perde, sem que Lisboa tenha de deixar de ser Lisboa. Mas isto deverá ser essencialmente uma questão de reorganização e de progressão e nunca de rejeição. Com vontade e com planeamento é perfeitamente executável conciliar com êxito estas duas realidades, em benefício de todos.

Há destinos que investem fatias consideráveis dos orçamentos na promoção e divulgação do turismo, nem sempre com o sucesso e retorno esperados. Lisboa pouco teve de fazer - para além de ser ela própria – para beneficiar deste aumento exponencial no turismo. É fundamental que os lisboetas e respetivos decisores compreendam a oportunidade que têm em mãos, que a aproveitem da melhor maneira e por fim que deixem estacionar a Madonna. É por pouco tempo e ela compensar-vos-á.