Artigos

A prova da malícia e a malícia da prova

“A maçã de Lubecca”

A partir de que idade a criança possui a “malícia de adulto” e deve ser punida criminalmente?

Um dos métodos mais antigos para resolver esta questão foi a “prova da maçã de Lubecca”, costume medieval surgido na cidade de Lubecca, no norte da Alemanha.

A prova consistia em oferecer à criança uma maçã e, em alternativa, uma moeda. Se a criança escolhesse a moeda estaria comprovada a malícia e a consciência da ilicitude. Nesse caso era equiparada ao adulto e podia ser submetida a todas as leis e castigos, inclusive, à pena de morte a partir dos dez anos de idade. Se, pelo contrário, a criança escolhesse a maçã considerava-se que tinha agido com instinto primário por desconhecer o valor da moeda. Neste caso a criança era julgada inocente.

A malícia da prova

Este sistema (escolha da maçã ou moeda) não era infalível. A este propósito, conta-se a história de uma criança que habitualmente furtava. Esta, apesar de ter sido detida por várias vezes, em diferentes anos, escolhia sempre a maçã em vez da moeda. A certa altura, alguém tentou explicar-lhe de que com a moeda podia comprar várias maçãs. Para surpresa de todos, o jovem respondeu: “Se eu em escolhesse a moeda nunca mais me dariam maçãs!” Afinal, neste caso, o sistema funcionou ao contrário, a escolha da maçã constituiu a verdadeira malícia.

“Idade dos prazeres proibidos”

Em Portugal, atualmente, é a partir dos dezasseis anos que os jovens podem ser acusados por crimes. Mas na Idade Média, segundo as Ordenações e pela Inquisição, a partir dos sete anos as crianças já podiam sofrer alguns castigos, conforme o arbítrio do juiz. A pena maior (morte) só podia ser aplicada aos dezoito anos, mas a partir dos catorze anos os jovens já podiam ser torturados por ser considerada a “idade da malícia” ou a “idade dos prazeres proibidos”.

Todavia, quando os inquisidores queriam aplicar a pena de morte às crianças, a falta de idade era um pressuposto sanado naturalmente com o tempo: Bastava aguardar que as crianças atingissem os dezoito anos, nessa altura seriam acusadas e executadas: Quem é herege um dia é herege toda a vida!

A malícia da não confissão

A interpretação da prova, durante a Inquisição, dependia da vontade dos inquisidores. Quanto às crianças, tal como com os adultos, quando a Inquisição queria condenar alguém todos os argumentos eram válidos: Se os acusados confessassem eram condenados por confissão. Se não confessassem eram condenados por obstrução à justiça, porque não reconheceram o mal que fizeram, por isso mereciam igual castigo.