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A lenda da formiga otimista*

Os caseiros, tal como as formigas, aprenderam que a vida é um constante recomeço

A vida é um constante recomeço, tal como nos ensinam as formigas.Conta-se que certas formigas, como todas as suas antepassadas, trabalhavam todo o dia sem descanso para construir e abastecer o seu formigueiro num terreno abandonado.

A certa altura, inesperadamente, um agricultor cavou e lavrou a terra. O formigueiro ficou totalmente destruído, muitas formigas morreram esmagadas. As sobreviventes ficaram descoordenadas, rogavam pragas e maldiziam o lavrador. Pouco depois, o camponês construiu grandes regos que os encheu de estrume e plantou caules de batata-doce.

Novo formigueiro

As formigas depressa se reorganizaram e retomaram a labuta para reconstruir o formigueiro. Depois de plantados os caules da batata-doce, caiu ligeira chuva que regou as plantas e refrescou a terra. As formigas sobreviventes estavam radiantes, repovoaram a sua comunidade, agora vivem muito melhor e nunca tinham experimentado tanta fartura devido aos muitos nutrientes do estrume e da plantação.

Novos desastres

Não há fartura que sempre dure. As semanas seguintes foram de grandes secas, o agricultor teve que encher os regos de água, a qual, inevitavelmente, alagou totalmente o formigueiro, matando por afogamento muitas formigas desprevenidas.

Mais uma vez, apesar do contratempo, olham para os aspetos positivos e toca a trabalhar para reconstruir o formigueiro. Nunca desistiram.

Mais tarde, decorridas várias semanas, o agricultor cortou a rama da batata-doce, cavou o terreno para retirar as batatas. Mais uma vez, o formigueiro ficou todo desfeito. Nova chacina, muitas centenas de formigas morreram, as sobreviventes, novamente, ficaram dispersas e descoordenadas.

Apesar da desgraça, em cada vez que o formigueiro era destruído, as formigas olhavam para o futuro e voltavam a reconstituir o formigueiro, incansavelmente.

Equiparação aos caseiros

O trabalho dos caseiros nas terras de colonia, no séc. XIX, assemelhava-se ao trabalho das formigas. Por mais que trabalhassem, por mais que tentassem levantar a cabeça, havia sempre alguém que os vinha espezinhar e espoliar. Os caseiros, por mais que protestassem, tinham que recomeçar e assim a vida continuava.

Os caseiros, tal como as formigas, aprenderam que a vida é um constante recomeço.

* Baseado numa passagem do livro João do Canto, Editora O Liberal, 2015.