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A condição insular

O sentimento (e realidade) insular, numa conversa entre ilhéus é facilmente atingível

A condição insular suscita um imaginário diversificado, seja aos ilhéus, seja aos que nem em sonho conseguem entender o que é isso de ser insular, preferindo as referências idílicas associadas às palmeiras, sol, tranquilidade, qual embaixada terrestre do paraíso.

Historicamente, e em particular em ilhas pequenas e distantes das grandes metrópoles, o carácter faz-se numa longa jornada de luta, adaptação e sofrimento que, para a maioria não passa de luta pela sobrevivência, muitas vezes ignorada e, hoje, facilmente abafada pela camuflagem tecnológica que, supostamente, elimina o isolamento e a descontinuidade. Há até quem diga que já não faz sentido falar-se em insularidade só porque que os habitantes das ilhas até dispõem de banda larga, subsídios para andar de avião e generosos apoios vindos (sempre) de terra firme e solidária, seja nacional ou comunitária.

Ter-se-á extinto então a condição insular, não passando esta de um evento histórico ultrapassado? O que é hoje a condição insular, quem a sente e porquê? São questões que requerem muitos mais caracteres do que os permitidos nesta nota, estudo aturado, informação que não está disponível e capacidade para a analisar e processar. Esse caminho, a fazer-se, teria que incorporar algumas notas menos racionais mas, nem por isso, não menos relevantes. Desde logo a definição do que é isso de ser insular, algo que vai muito além do tal imaginário ao gosto de cada fantasia. O sentimento (e realidade) insular, numa conversa entre ilhéus é facilmente atingível. Quando dois ilhéus (mesmo de ilhas distintas e longínquas) dialogam sobre a insularidade, rápida e facilmente chegam a um entendimento. Nem precisam falar muito, sequer. Mas não se pense que é apenas um estado de espírito. Existe sim um modo de estar, ser e sentir, comum, distinto e suficientemente coerente em todos os ilhéus, sejam de onde forem, que não pode, por isso, ser apenas um estado de espírito. Dir-me-ão que os povos habitantes de montanhas também terão algo parecido. Pois sim, que tenham e acredito que sim, mas não é o mesmo. Não tem que ser mais ou menos, nem melhor nem pior, mas nunca é o mesmo que o de ser ilhéu.

As questões da insularidade têm vindo a lume em situações tão diversas como caricatas que vão desde as acessibilidades e transportes, impostos, logística, justiça, cultura, desporto, alterações climáticas, calamidades, etc. e é tão curioso ver que para cada uma dessas inúmeras situações ou assuntos, a base que define a condição e estatuto insular e sobre a qual se estabelecem os “benefícios” ou compensações para os ilhéus é casuística. Apesar da Constituição, do Estatuto Político e Administrativo e do Tratado Europeu, não se conseguiu ainda estabilizar um quadro referencial suficientemente claro e sólido que assuma, de uma vez por todas, a condição insular naquilo que ela deve ser de modo a servir os seus destinatários. Esse trabalho tem que ser feito, dando continuidade ao que se já se conseguiu e o pior que pode acontecer é os próprios ilhéus não sentirem que só eles o poderão fazer.