Análise

Opere-se a Saúde já!

Os medicamentos continuam a faltar no serviço de saúde do melhor destino insular do mundo. Um “problema” assumido por quem manda, que urge resolver e que mata, mesmo que nos processos dos doentes que necessitaram daquilo que não foi disponibilizado em tempo útil seja escrito que faleceram por outras razões. Há sempre uma insuficiência cardíaca pronta para encobrir outras causas e efeitos.

Em vez de resolver o drama, a tutela prefere contestar notícias “alarmistas”. Passa os dias a escrever a quatro mãos, a tentar justificar lacunas, a repudiar a “ignorância” e a “irresponsabilidade”, a recomendar que os meios de comunicação validem a “fidedignidade das suas fontes de informação”, mesmo que estas sejam do sector da saúde! E a ameaçar que vai actuar judicialmente, por considerar terem sido ultrapassados todos os limites da ética e da deontologia jornalísticas. Tomara. Talvez assim alguém possa ser responsabilizado criminalmente pelas derivas hospitalares, desde as infecções às baldas.

Todo aquele que não se entretém com bustos e não pactua com embustes, operações de coméstica e vertigens, percebe que a falta de medicamentos denunciada por utentes em fase de tratamento não é alucinação jornalística. Por muito que a Secretaria Regional da Saúde e o seu titular, assumidamente preocupados com “a reputação e a boa fama” de ambos, transformem em “inverídicas e erróneas” as afirmações que dizem não estar sustentadas em provas e em testemunhos devidamente fundamentados.

Para qualquer cidadão esclarecido, o que não é o caso daquele que armado em provedor pede as provas que não quer ver, o problema não tem aspas governamentais. É sério e grave. Sente-se. Paga-se caro, com a vida.

Basta fazer uma cirurgia às palavras escritas na última semana para ter tamanhas certezas. E outras tantas dúvidas que a tutela deve responder (ler artigo na íntegra na plataforma digital).

Para além de admitir a ruptura de fármacos de emergência na farmácia hospitalar, o secretário da Saúde não devia revelar qual é a percentagem actual de medicamentos em falta, se são só os recomendados 5%? E porque não explica a que se deve as constantes falhas, sobretudo num contexto em que a organização melhorou o sinuoso circuito entre as solicitações e o fornecimento e entre este e o aprovisionamento?

Se o SESARAM tem planos alternativos para garantir a máxima segurança no tratamento dos doentes porque não revela quais são? Qual é a fundamentação para a garantia dada que, em momento algum, a vida de um doente esteve em risco por falta de medicação, se simultaneamente é assumido que há problemas com o ‘stock’ de medicamentos na farmácia hospitalar? E se “está a ser normalizado” que efeitos secundários criou a manifesta anormalidade?

Se é falso que algum doente tenha falecido por acidose metabólica, por ausência de administração do bicarbonato de sódio, o que aconteceu então ao doente em causa na notícia? Morreu por estar vivo? Se qualquer profissional está eticamente obrigado a comunicar tudo o que indicia que a segurança dos utentes está em risco, o que leva Ordem dos Médicos a repudiar qualquer tentativa de pressionar ou condicionar os médicos quanto à sua liberdade e obrigação de contactar a Ordem sempre que as condições de trabalho não sejam as ideais. E porque sublinha a mesma entidade que as obrigações ético-deontológicas para com o bem estar dos utentes se sobrepõe a qualquer norma ou relação contratual, não sendo à partida contraditórias?

Pedro Ramos é médico. E assim será, se ainda houver doentes e se quiser, até porque a bata de secretário regional é efémera. Por isso, o fato político não o devia inibir de ser autêntico e cirúrgico. Cabe-lhe tranquilizar a população com objectividade, com verdade e com fundamentação. Sem confundir a manifesta incompetência dos governantes com “a elevada competência dos profissionais”; sem misturar as exigíveis “segurança, qualidade e elevada responsabilidade” com as comprovadas falhas que todos admitem; sem imputar às más notícias e aos mensageiros as culpas pela péssima gestão dos recursos humanos do SESARAM, pela discórdia na Ortopedia que lesa utentes e até pela perseguição médica.

O que vale é que nem todos os médicos olham para as múltiplas e preocupantes notícias com desdém.

A Ordem admite a existência da falta de medicação e racionamento de fármacos, mesmo que por razões óbvias alegue que a mesma “não condicionou nem pôs em causa, até o presente, a segurança dos utentes”.

Os defensores da boa prática clínica e dos utentes assumem estar empenhados em garantir à população o acesso a cuidados diferenciados, atempadamente e em condições de segurança.

Os que foram marginalizados num processo que devia ser inclusivo não hesitam em assumir a necessidade de uma nova política de saúde.

Os que são fontes nas notícias que partilhamos, e que ao abrigo da lei protegeremos das purgas delinquentes e das ameaças processuais, para além de fixarem o olhar nas contradições a propósito da fatalidade noticiada, pedem respeito e dignidade.

Felizes daqueles que neste ‘jogo da glória’ têm sorte e chegam ao fim sem passar por algumas casas.