Análise

Façam-nos um grande favor

Senhoras e senhores candidatos. Vem aí o período de campanha eleitoral. Para que da mesma não sobre apenas lixo, slogans e barulho, façam-nos um pequeno grande favor: centrem atenções no essencial.

Falem com os eleitores e resolvam-lhes os dramas em vez de se preocuparem em demasia com a pose, com o número de caracteres que dão corpo às notícias, com a mediatização das iniciativas e das respostas ensaiadas e com as queixas na CNE.

Respeitem a diversidade das abordagens e não queiram que os jornalistas façam um intervalo na profissão e vos substituam no porta-a-porta.

Não metam férias ou baixa nesta hora de dar a cara e, porventura, de exposição ao ridículo. Se merecerem, descansem depois.

Acudam aos que vivem nas margens dos municípios e, em vez de ligarem para as redacções, devolvam-lhes com a máxima discrição a dignidade perdida e a qualidade de vida merecida.

Abstenham-se de fazer como algumas grandes empresas que partilham os dados dos clientes de forma ilegal e usam sem autorização dados e imagens de militantes para maquilhar insuficiências e simular apoios.

Não contribuam para as histórias cruéis que fazem desta sociedade, por vezes vítima de publicidade enganosa, um espaço privilegiado para fenómenos que atentam contra os elementares princípios constitucionais.

Não se ofendam com os direitos e com as liberdades só porque nem tudo o que dizem é correcto e eficaz ou porque alguém ousou criticar com a melhor das intenções os desempenhos menos conseguidos.

Saibam ler com prudência e inteligência as sondagens que o DIÁRIO vai publicar nos próximos dias. A desconfiança sábia perante indicadores circunstanciais é tão legítima como a interpretação honesta das tendências expressas no retrato sobre as intenções de voto em alguns concelhos.

Evitem o insulto. Todos têm passado, rabos de palha e afins. Por isso, de nada valerá manipular currículos ou apostar todas as fichas em estéreis ajustes de contas entre pretensos imaculados e doidos varridos. Tudo se sabe.

Não façam das Autárquicas primárias de coisa nenhuma, nem julguem antecipadamente aquilo que, a seu tempo, cabe à Justiça sentenciar.

Deixem para a noite de todas as decisões as análises políticas inevitáveis. Dar palpites precoces, assentes em desejos pessoais, mais do que um risco desnecessário, nalguns casos implicará desclassificação por falsa partida.

Não usem como trunfo eleitoral aquilo que normalmente acaba por ser um tiro nos pés. Só quem não tem memória fala de viagens em executiva como exclusivo recente. Devem ser bem poucos os que, durante décadas, nos cargos de topo da gestão municipal e regional não encheram os cartões com milhas à conta do erário e tiraram dos cofres públicos verbas para despesas ditas de representação.

Tentem ganhar o sufrágio com o suor do vosso rosto e de forma limpa, ou seja, não se escondam em manobras ignóbeis que contestam, mas que patrocinam.

Não prometam o que vos transcende, nem falem do que não dominam. Sejam autênticos mesmo que a verticalidade vos custe votos. A melhor recompensa eleitoral poderá nem estar nos resultados obtidos para um mandato efémero.

Se todos os candidatos denotassem maior altruísmo em menos sobranceria, competência em vez de oportunismo, mais solidariedade do que ódio, a campanha estava feita sem necessidade de recurso aos ridículos tempos de antena, aos cartazes poluidores, aos comícios sem chama, aos repetitivos ‘debates’ em que não se cruzam argumentos e aos perfis falsos nas redes sociais. Talvez um dia, também quando os abstencionistas e os acomodados sentirem a democracia em perigo, só sejam eleitos os que forem capazes de sugerir com rigor propostas exequíveis e criatividade geradora de oportunidades.