Análise

De berro em berro até onde?

Os políticos são eleitos para resolveram os problemas do povo. É quase um sacrilégio relembrar este princípio basilar da democracia, mas é sempre conveniente avivar a memória daqueles que, muitas vezes, colocam o calendário partidário à frente dos interesses do colectivo.

Temos vivido um tempo conturbado que nos remete para um isolamento inadmissível. Já não nos bastava as partidas pregadas pelo vento, em Santa Cruz, para termos uma companhia de bandeira que cancela voos a tordo e a direito, refugiada em problemas de índole operacional.

Ficámos, todos, reféns, das vontades dos senhores da TAP e dos senhores da ANA, que se vêem abraços com graves problemas na programação dos voos e com o grande movimento registado no Aeroporto de Lisboa. Mas o que temos nós a ver com isso? É caricato, mas real: há dias em que ficamos prisioneiros da nossa condição de ilhéus. O Governo da República finge que não vê e que não escuta os protestos deste lado do território nacional. Há uns anos atrás, no âmbito de uma discussão internacional sobre as verbas necessárias para o desenvolvimento da ilha do Príncipe, um alto responsável político lembrava a quem mandava no país, algo mais ou menos assim: “Quem quer ilhas tem de pagá-las”.

Não vamos tão longe, mas convém o Estado tratar com prioridade os assuntos que são, efectivamente prioritários. Não chegamos a bom porto com berros, comentários a pedido, estados de alma, nem frases avulsas ditadas pelas circunstâncias. O que temos assistido nas últimas semanas é um desnorte quase total na resolução dos problemas dos portugueses da Região Autónoma da Madeira.

Tudo o que envolve o subsídio de mobilidade, os transportes aéreos, o novo hospital, carece de postura institucional. Dispensa-se o plano partidário. Os governos – o de cá e o de lá – têm de se entender e, condição elementar, explicar à população da Região de forma cabal o porquê de ter ou não ter existido acordo. As pessoas não podem ser postas à margem, nem podem ser informadas apenas quando o presidente do Governo Regional vai a uma qualquer inauguração e é confrontado pela comunicação social. Há canais adequados para prestar contas. Neste imbróglio não se entende muito bem como é que o primeiro-ministro do país reúne e trata de questões da Região com o presidente da Câmara do Funchal e não o faz, antecipadamente, com o executivo regional. Que exista um bom relacionamento pessoal e político entre Costa e Cafôfo é uma coisa, que esse bom entendimento ajude a ultrapassar bloqueios, óptimo, mas que se ultrapasse os órgãos de governo próprio da Madeira, já não é muito perceptível. Todos devem remar para o mesmo lado e ajudar na resolução rápida dos problemas que nos atormentam, mas não lembraria ao Diabo que Miguel Albuquerque tratasse dos problemas estruturais da cidade do Funchal com o presidente da Junta de Freguesia da Sé. Há rigor institucional e formal que não deve ser ultrapassado.

Em 2019 vai haver eleições nacionais e regionais. Sabemos que há muito em jogo e que, pela primeira vez em mais de 40 anos, um partido da oposição tem possibilidades consistentes de chegar ao poder, apeando outro partido que nunca se fui confinado à oposição e que domina e pulveriza a administração pública da Região. Não é preciso dizer mais para todos percebermos o que está em causa. Daqui até lá um pouco de contenção, de bom senso são bem-vindos.

P.S.: O Expresso noticiou, ontem, que há deputados eleitos pelas ilhas que pedem reembolso de passagens aéreas que não pagaram. Isso mesmo, leu bem. A Assembleia da República dá uma compensação semanal generosa (500 euros) para as passagens aéreas dos deputados das regiões autónomas. Os parlamentares, entre os quais Carlos Pereira e Luís Vilhena, do PS, Paulino Ascensão, do Bloco de Esquerda e Paulo Neves, do PSD, usufruem do mecanismo de apoio parlamentar e ainda do reembolso do custo do bilhete, por serem residentes na Madeira. Apenas Rubina Berardo confessou não praticar este ‘esquema’ benevolente e vantajoso, o que é louvável. Os outros aceitaram de bom grado a dupla ajudinha do erário. “Legal”, dizem os visados. Imoral, dizemos nós! Alguém vai retirar alguma consequência deste comportamento?