Análise

Contencioso surpresa

Quem como nós vive da actualidade, a semana foi pródiga em surpresas. Temos que gentilmente agradecer a António Costa e aos ventos insulares que lhe sopraram o alegado défice da Madeira e que lhe causaram, primeiro, uma “desagradável surpresa” e depois, quando executivo madeirense reagiu com demora calculada à declaração do primeiro-ministro, um manifesto incómodo.

Os políticos e a contabilidade nem sempre conjugam na perfeição. Mas não devia valer tudo por causa de um voto futuro ou de uma preferência qualquer, a captar num qualquer estudo de opinião que vier a ser feito. Que a Madeira tem dívida excessiva, e por esta paga até morrer, qualquer criança que viu faltar papel higiénico na escola ou qualquer doente que sobrevive à falta de medicamentos sabe. Que o Governo Regional espatifou milhões de euros em caprichos e obras sem retorno e de utilidade duvidosa, todos noticiámos até a exaustão, mesmo que até 2015 a maioria do eleitorado condescendesse, dando vitórias a quem tem o poder. Que na Região as prioridades nos gastos públicos andam ao sabor de ondas circunstanciais que em muitos casos nem chegam à costa é uma constante.

Mas se, como diz quem manda, a Madeira tem honrado todos os seus compromissos financeiros e que, ao contrário do que foi dito por António Costa, tem tido, desde 2013, saldos positivos nas Contas Nacionais, o que não acontece nem com os Açores, nem com o continente, há um golpe em curso de lesa Autonomia que importa ser reparado.

Se, como assegura quem percebe de economia e citando o jornal Eco, importa distinguir contabilidade pública (óptica de caixa) e a contabilidade nacional (óptica de compromisso) e que esta última é a que conta para o apuramento do défice que interessa a Bruxelas e às instituições internacionais, importa que Carlos César – autor da declaração “A Madeira atingiu um défice de pelo menos sete vezes mais do que o dos Açores” - precise sobre qual a óptica a que se referia e já agora observe que os números da contabilidade nacional são da responsabilidade do Instituto Nacional de Estatística, que os dados relativos a 2017 só serão revelados a 26 de Março deste ano e que até lá não é possível saber o défice da Madeira, e se o mesmo penalizou em uma décima o défice nacional.

Se ambos os governos mentem, ou pelo menos, indiciam jogar com cartas viciadas, investigue-se.

Mais do que pedir desculpas aos madeirenses, que importa recordar, sempre que acossados pela República penalizaram como nunca os autores do sufoco financeiro, devem os autores confessos do contencioso autonómico reaberto não fechar a torneira dos dinheiros públicos indiscriminadamente, bem como penitenciar-se perante Paulo Cafôfo e a nova estrutura socialista madeirense, que sofreram um duro revés numa semana em que poderiam tirar partido das sondagens que colocam a ‘Esperança’ num rumo promissor. Até Jardim, a quem o País social-democrata ainda ouve com respeito, reconhece que o PSD-M corre o risco de perder em 2019.

Pudera. Um líder preferido como Albuquerque não pode ter só 30% das intenções de voto e uma vantagem de menos de 10 pontos para um dos seus companheiros de partido e de governo. É pouco, como se suspeita que seja efémera esta semana de ‘glória’.