Mais ouriços que castanhas

Falta de chuva e praga da Vespa-das-galhas-do-castanheiro atrasam o crescimento da castanha na Madeira. Ainda assim, os técnicos da Secretaria da Agricultura registam progressos na luta biológica e vaticinam um aumento quer da produção como da qualidade

No Funchal, os turistas arregalam os olhos à castanha de Bragança: mais bonita por fora do que por dentro. As ‘quentes e boas’ chegam em Novembro. Ver Galeria
No Funchal, os turistas arregalam os olhos à castanha de Bragança: mais bonita por fora do que por dentro. As ‘quentes e boas’ chegam em Novembro.

Com o atraso na maturação da castanha do Curral das Freiras, afectada pela Vespa-das-galhas-do-castanheiro e ainda bastante miúda devido à falta de chuva, cabe à castanha transmontana fazer as honras da estação na barraca de Francisco Vasconcelos, montada desde quarta-feira na Praça do Povo.

Vendedor de castanhas assadas há 45 anos o comerciante apresenta a ‘rainha’ do Outono no Funchal: mais bela por fora do que por dentro. “A castanha este ano está atrasada, a boa castanha se não falhar recebo desta segunda-feira a oito dias, que é a castanha nacional”.

A época das castanhas assadas já arrancou no Funchal. São seis os postos de venda ao longo da Avenida do Mar. Francisco tem dois assadores e licença para vender até Fevereiro do próximo ano. “Agradeço muito à APRAM e eles sabem que eu respeito toda a gente e a coisa mais bonita é estimarmos o cliente”, faz questão de referir.

Um reconhecimento que só não é extensível à Câmara Municipal do Funchal que este ano decidiu sortear seis licenças, o que mereceu reparos por parte do mais antigo vendedor de castanha. “Os tempos mudaram e há mais concorrência, claro que isto dá para todos mas deviam dispersar mais os pontos de venda pelo concelho e não concentrar apenas aqui”, criticou.

A castanha que por estes dias está a ser vendida quer na baixa do Funchal como um pouco por todo o país é produzida em Bragança. Um fruto que impressiona pelo aspecto mas que peca pela qualidade.

“Estas primeiras castanhas são sempre um problema, tanto para mim como para os meus colegas, como também para os supermercados. É uma castanha grande, bonita mas vamos comprar e está perdida por dentro”, observa o experiente vendedor.

“É uma castanha muito tenra e tem de ser consumida rápido. Se não for em 15 dias já lá foi”, acrescenta.

Todos os dias, avia uma média de 20 a 25 quilos de castanha para o assador a carvão. “É a dois euros e meio a dúzia”, atira o vendedor. “Não é caro”, complementa. De luvas e canivete, Paula Freitas faz a triagem. Talha a castanha até meio do miolo e espreita. Começa às 11h30 da manhã e termina às 11h30 da noite. Só vão saltar no assador as que estiverem em condições. “Às vezes estamos a trabalhar para tirar o dinheiro da castanha e mesmo assim não se tira”, confidencia Francisco Vasconcelos.

No ano passado, chegou a deitar 300 quilos de castanha ao lixo e fez questão de partilhar a crítica no Facebook. Hoje arrepende-se. Admite que podia tê-las doado a uma instituição, mas não conseguiu calar a indignação perante o prejuízo.

Qual é a melhor castanha? O vendedor gostava de responder que era a da Madeira, mas estaria a mentir. “Pode-se dizer o que disserem mas a melhor castanha é de Trás-os-Montes: Moimenta da Beira, Vinhais, Viseu, Porca de Murça”, exemplificou.

A castanha que tem à venda é ainda uma produção fraca. A melhor irá receber dentro de uma semana. Será originária de Porca de Murça. “É bem mais saborosa e doce”, diz quem percebe disto. O vendedor ambulante conta assá-las no dia 1 de Novembro, Dia de Todos os Santos. “As pessoas podem vir à confiança que vão adorar”, lança em jeito de promoção.

E quando chegarão as castanhas do Curral das Freiras aos assadores da Praça do Povo? Francisco responde com um amargo de boca. “Antigamente havia muita laranjeira que dava uma laranja boa e toda a laranjeira foi embora, hoje se ainda há muitos castanheiros e pessoas no Curral à espera que dê uma castanha para ter alguma sobrevivência na vida, veio a praga da vespa e aquilo é um crime”.

O vendedor ambulante não agoira nada de bom para a produção regional. “Se eles desinfectam numa zona e não desinfectam noutra, o que está a acontecer? Dentro de seis, sete anos já não há castanha no Curral. Tenho a certeza absoluta”. Diz que as largadas do parasitóide da Vespa-das-galhas-do-castanheiro tem de ser mais ampla e garantir uma cobertura maior. “Porque esse mosquito tem de ser deitado nos castanheiros todos para matar a vespa”, explicou.

Por outro lado, acrescenta, a produção precisa de uma agricultura menos rudimentar e mais competente. “Não temos dessa qualidade, mas o castanheiro tem de ser bem tratado, tem de rer regado gota-a-gota no Verão. Nos castanheiros mais antigos, a castanha tem tendência de avelar na própria árvore e quando cai ao chão já não presta”, sustenta a análise. “Foi o que aconteceu no ano passado. Foram toneladas e toneladas perdidas. Ela aveludou e ficou rija e já não dá para consumir”.

Batalha biológica já custou mais de 32 mil euros

O Governo Regional já investiu mais de 32 mil euros na batalha biológica contra a Vespa-das-galhas-do-castanheiro, travada desde 2017 na Madeira, a par de 50 municípios do país que também recorreram ao parasitóide para eliminar a praga do ‘Dryocosmus kuriphilus’ que vem dizimando a produção de castanha e ameaçando extinguir um produto que é cabeça-de-cartaz em freguesias como o Curral das Freiras.

A produção esteve estabilizada vários anos nas 63 toneladas. Até 2015, a cultura manteve uma tendência de subida da sua produção, quando a colheita alcançou um valor de quase 100 toneladas, a que correspondeu uma produtividade de uma tonelada por hectare.

Porém, o aparecimento da Vespa-das-galhas-do-castanheiro (Dryocosmus kuriphilus Yasumatsu) começou a afectar estes resultados, iniciando-se os seus efeitos já no ano de 2016, com uma quebra da produtividade para valores da ordem dos 940 quilos por hectare, tendo a produção passado para 89 toneladas, uma redução de cerca de 11% comparativamente a 2015 (ainda assim um valor muito inferior às estimativas de quebra iniciais, que apontavam para uma produção de 30 a 50 toneladas).

A Vespa ataca os órgãos verdes de árvores do género ‘Castanea’ (excepto frutos), induzindo a formação de galhas nos gomos e folhas, provocando a redução do crescimento dos ramos e da frutificação, e assim diminuindo drasticamente a produção e a qualidade da castanha. Em situação extrema, pode mesmo conduzir à morte dos castanheiros.

Já não bastava a Vespa e 2017 trouxe ainda a seca

Em 2017, além de um período de seca muito prolongado, os efeitos dos ataques da ‘Vespa’ tornaram-se ainda mais evidentes.

De acordo com a última análise à produção no terreno por parte dos técnicos da Direcção Regional de Agricultura (DRA), estima-se uma nova redução (esta mais acentuada) da produção de castanha, na ordem de 40% para as variedades do ‘Cedo’, tais como a ‘Negrinha’ e a ‘Vinha’ (menos atacadas pela Vespa-das-galhas-do-castanheiro e mais resistentes à seca), e na ordem dos 50% a 60% para as variedades tardias, tais como a ‘Cagadinha’, ‘Testa Larga’, ‘Rachada’ e ‘Santo António’ (mais atacadas pela Vespa e que têm suportado um grande período de seca.

Em 2017, a Secretaria Regional da Agricultura e Pescas (SRAP) investiu 18.656 euros para o controlo da praga da vespa-das-galhas-do-castanheiro, procedendo à aquisição de parasitóides (Torymus sinensis). Os 15.200 insectos (9.600 fêmeas e 5.600 machos), específicos desta praga, foram introduzidos, ao longo de 80 largadas, no meio ambiente, em todas as freguesias em que a cultura da castanha assume expressão relevante.

Este ano, a praga enfrentou um novo ataque biológico. Foram efectuadas 80 largadas de outros 15.200 insectos (9.600 fêmeas e 5.600 machos), específicos desta praga nas áreas de castanheiros das freguesias do Curral das Freiras, Jardim da Serra, Campanário, Serra de Água, Prazeres, Ponta Delgada e Santo António, num investimento que orçou em 13.568 euros. Contas feitas, até ao momento, o Governo Regional investiu 32.224 euros no controlo da praga.

O primeiro balanço, então feito pelo secretário regional da Agricultura e Pescas, Humberto Vasconcelos, dava esperanças de recuperação ao sector, sabendo-se que os resultados são visíveis a longo prazo. “Desde que começámos com este trabalho temos verificado taxas de parasistismo promissoras”, referiu.

Produtor estima ter recuperado 30% este ano

O prognóstico do governante vai de encontro às perspectivas de um dos maiores produtor de castanha do Curral das Freiras que, contactado pelos técnicos da DRA, estima vir a ter mais 30% de produção de castanha relativamente ao ano transacto, ano cujas quebras foram bastante acentuadas.

Os técnicos da DRA estiveram no início da semana a fazer uma análise no terreno procurando aferir a evolução da castanha em vésperas da colheita. Sobre o efeito da Vespa-das-galhas-do-castanheiro, alguns dos produtores admitiam que o lançamento do parasitóide poderia estar a surtir já “algum efeito positivo” na produção de castanha do Curral das Freiras.

Quanto à estimativa de produção para 2018, os técnicos apuraram que a maturação está um pouco atrasada e que existe uma maior produção de ouriços relativamente a 2017. Ainda que os soutos localizados nas zonas mais húmidas possuam maior produção e uma castanha mais grada, a maioria está ainda muito miúda para o que seria expectável neste início de Outono e será preciso aguardar que chova para que cresça mais.

No entanto, em termos de quantidade, os cinco produtores contactados pelos técnicos da Agricultura consideram que a produção de 2018 vai superar a obtida em 2017.

Por outro lado, em geral, a qualidade da castanha em 2017 será superior à da registada em 2016, porque não houve condições climatéricas favoráveis ao desenvolvimento do “bichado” (Cydia splendana).