Por muito pouco, muito dou mas nunca sou...

Nesta profissão às vezes sinto que faço trabalho escravo... Por vezes a ponta do chicote dilacera-me muito para além da pele... Esse chicote que exige de mim ... mais e mais sabendo que já não há muito mais que se possa dar... Com muito pouco faço o que não passa pela cabeça de muita gente... Com muito pouco e por muito pouco dou tudo de mim... Muitos poucos valorizam... Muitos poucos podem valorizar e sabem valorizar simplesmente porque perderam a capacidade de se pôr no lugar do outro... O outro que cuida. Sim, porque também já cuidaram... Já não sabem o que custa... Já esqueceram... A falta de reconhecimento dos pares, os tais pares que deveriam cuidar daqueles que cuidam, bastando para isso compreender, aceitar, reconhecer e agradecer o muito que se faz com muito pouco e por muito pouco... Mas não... O chicote não pára... Exige-se sempre mais e cada vez mais quando se sabe que não há mais... Ou que não se pode dar mais... Exige-se mais a quem mais já deu... Outros... e sempre os mesmos passam despercebidos... Passam pelos espaços da chuva...... O meu muito, é muito para alguns é pouco para outros e muito pouco para quem deveria saber do muito que se dá... E não é pouco... Falta de reconhecimento, ingratidão, injustiça... São palavras negativas que fazem parte do dia de muitos mas mesmo de muitos enfermeiros deste país... Muito dei... Às vezes penso se rebentei???... Mas não... nunca se rebenta... Para alguns foi pouco, foi insignificante... Por muito menos esses poucos rebentaram antes de mim... A frase que se segue, acompanha-me desde o meu Serviço Militar Obrigatório, proferida em Mafra por um homem que tinha por missão preparar homens para comandar outros homens, penso nela muitas vezes: “Nunca exijam aos outros coisas que nunca fizeram... Coisas que vós próprios não sejam capazes de cumprir... Nunca exijam coisas que impliquem sofrimento sem o terem experimentado, sem saberem o seu valor, sem saberem o quanto custa... Nunca exijam coisas irrealizáveis... coisas que frustrem sistematicamente... Peçam o que é exequível ... façam dos vossos homens ... Homens Fortes mas HUMANOS...” Em Mafra na Escola Prática da Infantaria... Uma Escola a quem de mim muito dei sangue, suor, lágrimas, mas onde também treinei e aprendi a resiliência, o tolerar da frustração e da injustiça, o espírito de corpo... O bem comum... Onde aprendi que quando pensamos que não podemos mais ainda temos o dobro para dar e aguentar... E assim tem sido nesta vida que escolhi... Dar... Dar sempre... Sem esperar nada... ...Por muito pouco.... Muito dou... Mas nunca sou...

Sidónio Faria